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domingo, 3 de outubro de 2010

Festival de teatro de Manaus

Fetam divulga lista de grupos que participarão do Festival de Teatro
27 Set 2010 . 20:41 h . Larissa Veloso . portal@d24am.com
Serão nove grupos infantis, com atores de seis a 14 anos e outros nove grupos adultos, com artistas a partir de 15 anos.

Manaus - A Federação de Teatro do Amazonas (Fetam) divulgou, na tarde desta segunda-feira (27), no auditório do Palácio Rio Negro, lista contendo as 18 companhias que irão participar do VII Festival de Teatro do Amazonas, que acontece de 8 a 17 de outubro, no Palácio da Justiça e nos teatros Amazonas e da Instalação.
Serão nove espetáculos infantis, com atores de seis a 14 anos e outros nove espetáculos adultos, com artistas a partir de 15 anos. Durante três dias, a curadoria da 7ª edição do festival avaliou projetos de 31 companhias inscritas. Segundo o presidente da Fetam, Nivaldo Mota, a escolha deste ano foi mais difícil que a da edição anterior, devido à melhora na apresentação dos projetos. "Este ano nós tivemos, por exemplo, duas companhias que inscreveram o mesmo espetáculo, 'Um Fantasma para sua Majestade', apresentado de formas diferentes", declarou.
Nivaldo explicou ainda que este ano os grupos estão mais envolvidos no festival devido à valorização que a própria classe deu à federação. "Muitos grupos antigos que se afastaram da Fetam resolveram voltar porque acreditam no desenvolvimento do teatro no Amazonas", afirmou.
Segundo Nivaldo, a expectativa da federação é conseguir um público de cerca de 20 mil pessoas nos dez dias de festival. Além disso, ele conta que duas novidades vão garantir maior visibilidade ao evento. Nos dias 10 e 12 de outubro, as atrações se apresentarão em Itacoatiara e Novo Remanso, respectivamente e haverá, um seminário de política teatral.
Confira abaixo a lista com os grupos escolhidos e a data das apresentações
CATEGORIA INFANTIL

ORDEM
PROJETO
GRUPO E CIA

01
ESSA TAL DE NATUREZA
AACA - ASSOCIAÇÃO DOS ARTISTAS CÊNICOS DO AMAZONAS - ARTE & FATO

02
A PRINCESA E A LUA
ASSOCIAÇÃO ARTBRASIL

03
DE P... A P... DA PAQUERA AO PARTO
GRUPO BAIÃO DE DOIS

04
"BRINCADEIRAS"
CIA DE TEATRO METAMORFOSE

05
"POR QUE PULAR DEGRAU SE A GENTE PODE VOAR?
CIA. CACOS DE TEATRO

06
A LÍBELULA E A CIGARRA O MUSICAL
GRUPO ALECRIM NATIVO

07
ERA UMA VEZ...
ROBERTO CARLOS JR.

08
FLICTS - O MUSICAL
COMPANHIA DE TEATRO APARECEU A MARGARIDA

09
UMA AVENTURA MÁGICA CONTRA O MONSTRO BRIGUEIRO
FRANCISCO MENDES DE MOURA



CATEGORIA ADULTO

ORDEM
PROJETO
GRUPO E CIA

01
ERETZ AMAZÔNIA
TESC - TEATRO EXPERIMENTAL DO SESC / AM

02
É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL
COMPANHIA ARTE EM MOVIMENTO ZONA CULTURAL

03
{OFF} INFERNO OU LAVE OS CÉUS PARA QUE EU MORRA
CIA. CACOS DE TEATRO

04
DAMA DA NOITE
PAULO ALTALLEGRE

05
FELIZ ANO NOVO
HELYANDRO PINTO DA SILVA

06
"HOJE SOU UM, AMANHÃ OUTRO"
COMPANHIA VOTÓRIA RÉGIA

07
GILDA, O ROMANCE DA MOÇA MORTA NA CIDADE FLUTUANTE
SERGIO BEZERRA DE LIMA

08
TIRA A CANGA DO BOI
ASSOCIAÇÃO CULTURAL RAÍZES DO PORTO (PORTO VELHO - RO)

09
FLORES D' AMÉRICA
DANIEL MAZZARO






MOSTRAS COMPETITIVAS
Data
Infantil
Adulta

08/Sex
-
FELIZ ANO NOVO

09/Sabado
DE P... A P... DA PAQUERA AO PARTO

"HOJE SOU UM, AMANHÃ OUTRO”

10/Domingo
ERA UMA VEZ...

GILDA, O ROMANCE DA MOÇA MORTA NA CIDADE FLUTUANTE

11/Segunda
ESSA TAL DE NATUREZA

{OFF} INFERNO OU LAVE OS CÉUS PARA QUE EU MORRA

12/Terça
BRINCADEIRAS"

ERETZ AMAZÔNIA




Data
Infantil
Adulta

13/Quarta
A PRINCESA E A LUA

DAMA DA NOITE


14/Quinta
FLICTS - O MUSICAL
É PROIBIDO JOGAR LIXO NESTE LOCAL

15/Sexta
POR QUE PULAR DEGRAU SE A GENTE PODE VOAR?
TIRA A CANGA DO BOI


16/Sabado
A LÍBELULA E A CIGARRA O MUSICAL

FLORES D' AMÉRICA


17/Domingo
UMA AVENTURA MÁGICA CONTRA O MONSTRO BRIGUEIRO

-







CATEGORIA INFANTIL – MOSTRA NÃO COMPETITIVA


ORDEM
PROJETO
GRUPO E CIA

01
ASSEMBLÉIA DAS ÁRVORES
ASSOCIAÇÃO AMAZÔNIA ARTE - MYTHOS

02
DE CARA COM O NATAL
CIA TITÂNICA DE TEATRO


CATEGORIA ADULTO – MOSTRA NÃO COMPETITIVA


ORDEM
PROJETO
GRUPO E CIA

01
RECRIAÇÃO DE MITOS TIKUNA
COMPANHIA TEATRAL A RÃ QI RI

02
VOCÊS VIRAM MEU CACHORRO ?
WALLACE ABREU

03
A HERANÇA MALDITA DE MERCEDITA DE LA CRUZ
COMPANHIA DE TEATRO APARECEU A MARGARIDA

04
A ÁRVORE DOS MAMULENGOS
CIA. DE TEATRO ATOCÊNICO

05
CUNHÃ FILHA DE YÊPA
POMBAL ARTE ESPAÇO ALTERNATIVO

06
NINHO DE AMOR
COMPANHIA DE TEATRO JOSÉ DILLON



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HOJE SOU UM; E AMANHÃ OUTRO

HOJE SOU UM; E AMANHÃ OUTRO
José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo

PERSONAGENS1:
Dourado, rei de...
Eleutério, seu Ministro
Matildes, a rainha
Fernando, guarda
Carlos, outro guarda
Eulália, dama do Paço
Tibúrcia, outra dama do Paço
4 Oficiais
Criado
Soldado da Guarda Imperial

ATO PRIMEIRO
Cena Primeira

REI (para o ministro) - Já deste2 as providências que te recomendei ontem sobre os indigitados para3 a nova conspiração que contra mim se forja?
MINISTRO Não me foi possível, Senhor, por em prática vossas ordens.
REI Ludibrias das ordens de teu Rei? Não sabes que te posso punir, com uma demissão, com baixa das honras, e até com a prisão!?
MINISTRO Se eu referir a V.M. as razões ponderosas que tive para assim proceder, estou certo, e mais que certo que V.M. não hesitará em perdoar-me essa que julga uma grave falta; mas em verdade não passa de ilusão em V.M.
REI Ilusão! Quando deixas de cumprir ordens minhas?
MINISTRO Pois bem. Já que V.M. o ignora, eu lhe vou cientificar das cousas, que me obrigaram a assim proceder.
REI Pois bem: refere-as; e muito estimarei que me convençam e persuadam de que assim devemos proceder.
MINISTRO Primeiramente, saiba V.M. de uma grande descoberta no Império do Brasil, e que se tem espalhado por todo o mundo cristão, e mesmo não cristão! Direi mesmo – por todos os entes da espécie humana!
REI (muito admirado) – Oh! Dizei; falai! Que descobriram – é erro!?
MINISTRO É cousa tão simples, quanto verdadeira:
1a – Que os nossos corpos não são mais que os invólucros de espíritos, ora de uns, ora de outros; que o que hoje é Rei, como V.M. ontem não passava de um criado, ou vassalo meu, mesmo porque senti em meu corpo o vosso espírito, e convenci-me, por esse fato, ser então eu, o verdadeiro Rei, e vós o meu Ministro! Pelo procedimento do Povo, e desses a quem V.M chama conspiradores – persuadi-me do que acabo de ponderar a V.M
2a – Que pelas observações filosóficas, este fato é tão verídico, que milhares de vezes vemos uma criança falar como um general; e este como uma criança. Vemos por exemplo um indivíduo colocado no cargo de presidente de uma Província; velho, carregado de serviços; com títulos, dignidades; e mesmo exercendo outros empregos de alta importância – ter medo, Senhor: não poder abrir a boca diante de um homem considerado talvez pelo Povo, sem um emprego pessoal, sem mulher, talvez mesmo sem o necessário para todas as suas despesas, finalmente um corpo habitado por uma alma. Que quer dizer isto, Senhor? Que esse sobrecarregado de cargo e dignidades humanas – é zero perante este protegido ou bafejado das dignas leis Divinas. Eu, pois, ontem estava tão acima de V.M., porque sentia em mim o dever de cumprir uma missão Divina, que me era impossível cumprir ordens humanas. Podeis fazer agora o que quiserdes!
REI Estou pasmo – com a revelação que acabo de ouvir. Se isto se verifica, estou perdido!
MINISTRO Não temais, Senhor... Todo o Povo vos ama, e a Nação vos estima; mas desejo que aprendais a conhecer-vos, e aos outros... homens. E o que é o corpo e a alma de um ente qualquer da espécie humana: isto é, que os corpos são verdadeiramente habitações daquelas almas que a Deus apraz fazer habitá-los, e que por isso mesmo todos são iguais perante Deus!
REI Mas quem foi no Império do Brasil o autor da descoberta, que tanto ilustra, moraliza e felicita – honrando?
MINISTRO Um homem, Senhor, predestinado sem dúvida pelo Onipotente para derramar esta luz divina por todos os habitantes do Globo que habitamos.
REI Mas quais os seus princípios, ou os de sua vida?
MINISTRO É filho de um professor de primeiras letras; seguiu por algum tempo o comércio; estudou depois, e seguiu por alguns anos a profissão de seu Pai, roubado-lhe pela morte, quando contava apenas de 9 a 10 anos de idade. Durante o tempo do seu magistério, empregou-se sempre no estudo da História Universal, da Geografia, da Filosofia, da Retórica – e de todas as outras ciências e artes que o podiam ilustrar. Estudou tãobém um pouco de Francês e do4 Inglês; não tendo podido estudar também5 – Latim, conquanto a isso desse começo, por causa de uma enfermidade que em seus princípios o assaltou. Lia constantemente as melhores produções dos Poetas mais célebres de todos os tempos; dos Oradores mais profundos; dos Filósofos mais sábios e dos Retóricos mais brilhantes ou distintos pela escolha de suas belezas, de suas figuras oratórias! Foi esta a sua vida até a idade de trinta nos6.
REI E nessa idade o que aconteceu? Pelo que dizes reconheço que não é um homem vulgar.
MINISTRO Nessa idade, informam-me... isto é, deixou o exercício do Magistério para começar a produzir de todos os modos; e a profetizar!
REI Então também foi ou é profeta?
MINISTRO Sim, Senhor. Tudo quanto disse que havia acontecer7, tem acontecido; e se espera que acontecerá!
REI Como se chama esse homem?
MINISTRO Ainda não vos disse, Senhor, - que esse homem viveu em um retiro por espaço de um ano ou mais, onde produziu numerosos trabalhos sobre todas as ciências, compondo uma obra de 400 páginas em quarto, a que denomina E... ou E... de... E aí acrescentam que tomou o título de Dr. C... S... – Por não poder usar o nome de que usava – Q... L..., ou J... J... de Q... L...8, - ao interpretar diversos tópicos do Novo Testamento de N.S. Jesus Cristo, que até aos próprios Padres ou sacerdotes pareciam contraditórios!
REI Estou espantado de tão importante revelação!
MINISTRO Ainda não é tudo, Senhor: Esse homem era durante esse tempo de jejum, estudo, e oração – alimentado pelos Reis do Universo, com exceção dos de palha! A sua cabeça era como um centro, donde saiam pensamentos, que voavam às dos Reis de que se alimentava, e destes recebia outros. Era como o coração do mundo, espalhando sangue por todas as suas veias, e assim alimentando-o e fortificando-o, e refluindo quando necessário a seu centro! Assim como acontece a respeito do coração humano, e do corpo em que se acha. Assim é que tem podido levar a todo o mundo habitado, sem auxílio de tipo4 – tudo quanto há querido!
REI Cada vez fico mais espantado com o que ouço de teus lábios!
MINISTRO É verdade quando vos refiro! Não vos minto! E ainda não é tudo: Esse homem tem composto, e continua a compor, numerosas obras: Tragédias; Comédias; poesias sobre todo e qualquer assunto; finalmente, bem se pode dizer – que é um desses raros talentos que só se admiram de séculos em séculos!
REI Poderíamos obter um retrato desse ente a meu ver tão grande ou maior que o próprio Jesus Cristo!?6.
MINISTRO Eu não possuo algum; mas pode se encomendar10 ao nosso Cônsul na cidade de Porto Alegre, capital da Província de São Pedro do Sul, em que tem habitado, e creio que ainda vive.
REI Pois serás já quem fará essa encomenda!
MINISTRO Aqui mesmo na presença de V.M. o farei. (Chega-se a uma mesa, pega uma pena e papel, e escreve:)
“Sr Cônsul de...
De ordem de Nosso Monarca, tenho a determinar a V.Sa. que no primeiro correio envie a esta Corte um retrato do Dr. Q... S... do maior tamanho, e mais perfeito que houver.
Sendo indiferente o preço.
O Primeiro Ministro
Doutor Sá e Brito”11
Corte de..., maio 9 de 1866.
(Fechou,12 depois de haver lido em voz alta; chama um criado; e manda por no correio – para seguir com toda a brevidade, recomendando.)

ATO SEGUNDO

A RAINHA E SUAS DAMAS (entrando) – Não é esta, Senhor (para o Rei) a primeira vez que sabendo haverdes querido encadear ou condenar à morte homens a quem julgo inocentes, venho perante vós impetrar o seu13 perdão! Chegou ao meu conhecimento que desconfiastes14 da fidelidade de vossos maiores e mais sábios Amigos, Henrique e Gil Gonzaga! É por estes sábios vassalos, e que tantas vezes têm ocupado os mais importantes cargos do Estado, que vos venho pedir; é a liberdade, ou não perseguição de suas pessoas que desejo!
REI Bem conheço, Senhora, o interesse que tomais em tudo quanto diz respeito à minha, à vossa e à felicidade do Estado que por herança ou Vontade Divina – governo: ora com sábios conselhos; ora com vossas felizes lembranças; ora com as mais justas – vossas reflexões! Estais portanto servida, Senhora, em vosso pedido; mesmo que o não fizésseis, a conversação que acabo de ter com um dos nossos mais distintos políticos, e atualmente na primeira pasta do Governo, seria bastante para perdoar a esses, de quem tive denúncia de que conspiram contra o nosso Governo!
RAINHA Quanto me apraz, Senhor, ouvir de vossos lábios, doces e salutares palavras! Estou tranquila, e volto feliz aos trabalhos em que sempre me costumo ocupar! (Para o Ministro:) Senhor Ministro, continuai com vossos sábios conselhos a ilustrar vosso Grande Rei, e contai sempre com a proteção de vossa assaz afetuosa Rainha! (Sai com as Damas.)
GUARDAS (entrando) – Senhor! Senhor! (Fatigados e cheios de temor) Aproximam-se de nossas praias alguns vasos de guerra com bandeira de uma Nação com que estamos em guerra! Houveram15 alguns tiros entre os de guerra Nacionais e esses que se aproximam de nossa barra: é portanto mister por tudo em armas para repelir a audaz invasão!
REI (para o Ministro) – É preciso darem-se as mais terminantes ordens a fim de que não sofra a cidade o menor mal! Escrevei já as seguintes ordens para o General comandante da Guarnição: (o Ministro senta-se e escreve) De ordem de S.M. nosso Rei, determino a V.Exa. que imediatamente ponha em armas, e pronta para repelir qualquer tentativa estrangeira, toda a tropa que faz a guarnição desta cidade! Mande tocar tambores pelas ruas para que se reuna não só toda a Guarda Nacional ativa, como também a reserva, dividida toda a tropa em colunas por todo o litoral da cidade, principalmente por suas praias mais vulneráveis, ou despidas de Fortalezas! (O Rei entrega o ofício a um, sai acompanhado de Guardas e volta imediatamente.)
MINISTRO (para outro) – Parte imediatamente (depois de haver feito outro ofício), leva este à Fortaleza da Laje16; dizei17 ao respectivo comandante que igual resolução comuniquei a todos os outros comandantes! (Sai o Guarda. [O Ministro para o Rei:) Peço licença a V.M. para ir em pessoa dar as mais providências que em tão melindrosas circunstâncias são necessárias.
REI Vai, e não te demores a vir dar-me parte do que ocorre; pois se for necessário, quero ir eu mesmo em pessoa, com a minha presença, animar as tropas; exortar o Povo; e fazer, como me cumpre, quanto em mim cabe em proveito dele, e da Nação! (O Ministro parte.). (REI, passeando) Por mais saber que se tenha; por mais previdente que seja um monarca, por mais benefícios que derrame sobre seus Povos, e mesmo sobre os estrangeiros, com sua ciência e com seu exemplo; sempre lhe sobrevem males inevitáveis, que o dever, e a honra, e a dignidade obrigam a repelir! E às vezes com que dureza ele é obrigado a feze-lo! Com que dor em seu coração ele prevê os numerosos cadáveres juncando os campos da batalha! Céus! Eu estremeço, quando vejo diante de meus olhos o horrível espetáculo de um açougue de homens! E se fossem só estes os que perecem; mas quantas famílias desoladas! Quantas filhas sem pai; quanta orfandade!... Quanto pesa o cetro na destra daquele que o empunha com os mais inocentes desejos; com as mais sãs intenções! (Tomando um aspecto resoluto.) Tudo isto é verdade; mas quando a Pátria periga! Quando o inimigo audaz se atreve a insultá-la; quando pode tudo gemer, se o Rei fraquear; não deve ele reflexionar sobre as consequências; tem uma única resolução a tomar: Ligar-se ao Povo, ao Estado ou à Nação; identificar-se com eles, como se fora um só Ente, e debelar aquele, - sem poupança de forças, dinheiro, e tudo o mais que possa concorrer para o mais completo, e glorioso triunfo! Vamos pois em pessoa dar todas as ordens, dispor tudo, e expor se for necessário este peito às balas; este coração ao ferro insultante! Guarda! Prepara-me um dos melhores cavalos em que eu cinja esta espada.
GUARDA Pronto, Senhor. (Sai.)
REI (veste a sua farda de General, depois de haver despido a capa com que se achava, e parte apressadamente. Ao sair, ouve um tiro de peça; desembainha a espada, dizendo:) São eles! (e segue.)
RAINHA (acompanhada das Damas) – Não sei que mau influxo, destino, ou planeta, acompanha, guia, e muitas vezes transtorna as mais sábias administrações do Estado! Por quão pouco tempo gozam estes daquela paz que os tranquiliza e felicita! Daquele progresso que a todos eleva; que a todos anima; que a todos enche de bens, e de venturas! Havia ainda tão pouco tempo que a Providência divina nos havia dado o triunfo contra os inimigos internos que pretendiam debelar-nos; e quando acaba de tranquilizar os nossos corações, envia-nos talvez a mais cruel guerra estrangeira! Enfim, como não há mal algum, que não traga algum bem, devemos contar e esperar que este, como todos os outros, nos felicitará. (Ouvem-se numerosos tiros de peça e de fuzilaria. A Rainha, para as Damas:) Enquanto, Damas, os nossos canhões marítimos destroem os nossos inimigos, vamos desta janela animar as nossas tropas de terra com nossa presença, a fim de que se houver algum desembarque, eles conheçam que seríamos capazes de os acompanhar com uma arma em punho! (Aproximam-se de uma janela.)
UMA DAS DAMAS V.M. vê? Lá se incendeia um vaso inimigo! Lá caiu um mastro de uma galera!
A OUTRA Ih!... Como a metralha varreu o convés daquela nau! Se continua assim, deste instante a duas horas, está o combate terminado, triunfando as nossas armas!
RAINHA Vocês vêem as tropas que estão desembarcando lá naquela ponta de península Anglicana?18
AS DAMAS Vemos; vemos! Que bicharia! Parecem corvos, ou nuvens de outros bichos! E quem sabe se as nossas ainda não viram esse desembarque!? Seria bom avisá-las! É lugar algum tanto escondido. Convém mandar saber!
RAINHA Dá cá o meu apito!
CRIADO (dando uma espécie de trombetinha) – Eis, Senhora.
RAINHA (apita; um soldado da guarda imperial ou real responde com um toque de corneta; ela torna a apitar; ele fala.) – Corre; voa onde está o Rei e dize-lhe que desembarcaram tropas inimigas na península! (O Guarda parte a todo o galope. A Rainha, olhando por um óculo, e muito atentamente:) Ainda agora é que reparo! A fumaça não me deixava ver bem! Os nossos vasos (dois) partem cheios de tropas para o lugar do desembarque! Numerosas lanchas os acompanham; daqui por cinco minutos, deve estar toda a tropa inimiga debelada! Embalde os traidores procuraram uma posição tão importante para destruir-nos... Serão destruidos e completamente aniquilados! Como saltam cabeças, pernas, braços pelos ares! Que carnificina horrível se observa!? Como se matam; como se destroem entes humanos!
UMA DAS DAMAS V.M. vê? Lá vem o Rei a galope! Seu cavalo vem banhado de suor; seu rosto é carmesin! Sua espada, ainda desembainhada, vem tinta de sangue! Céus! Quão grande deve ser o triunfo conquistado hoje por nossas felizes armas!
REI (entrando banhado em sangue e suores; para a Rainha) – Senhora, mandai-me vir outro fardamento limpo para mudar.
RAINHA Entremos nesta câmara. (Entram, e passados alguns minutos, ele se apresenta com nova frarda, calças, etc.)
REI Adeus! Volto ao combate; e juro-vos que antes de por-se o sol, não ficará um soldado inimigo em território nosso. (Parte).
RAINHA Deus abençoe os nossos projetos; e proteja os nossos esforços! (Acompanha-o até à porta; voltam à cena [a Rainha e as Damas]).
UMA DAS DAMAS São horas, minha Senhora e Rainha, de tomar os alimentos de costume com que reparais as forças que gastais em minha, e em utilidade de todos os vossos criados.
A OUTRA Sim; até se não fora hoje um dia tão extraordinário, por certo teríamos faltado a um dos nossos mais importantes deveres. Pois o relógio marcou já uma hora da tarde; e o que agora oferecemos, devia ter sido apresentado a V.M. ao meio dia!
RAINHA Eu não trato, nem tenho disposição, ainda, disso; vamos. (Saem.)

ATO TERCEIRO

REI (Distribuindo prêmios aos numerosos guerreiros que o auxiliaram no triunfo dos combates; conversando ora com um, ora com outro) – Eis, Senhores, a recompensa daqueles, que sabem cumprir bem seus deveres, defendendo os interesses da Pátria, e com eles suas próprias fortunas. Estes recebem o saboroso prêmio de suas fadigas; a recompensa de seus trabalhos. Assim como os usurpadores recebem a morte, e tudo o mais que os pode inutilizar e destruir, quando tentam roubar, matar, ou de qualquer outro modo apossar-se, e fruir os bens que só a outrem pertencem, que só a outrem é permitido gozar! (Pegando uma medalha, e pendurando ao peito de um oficial-general:) Eis como revelarei ao Mundo a tua coragem e valentia. (Pondo outra em outro;) Eis com que despertarei no espírito de vossos concidadãos, a lembrança de milhares de cadáveres, com que a meu lado fizestes juncar o campo da19 batalha. (Pondo em outro:) Eis a prova mais evidente de meu amor por aqueles que me auxiliam no mais importante cargo que se pode exercer sobre a Terra – o de governar os Povos, bem como do reconhecimento de vossos raros merecimentos! (Para outro:) É quanto basta para que o Mundo vos olhe com respeito; vossos Irmãos de armas com prazer, se não com emulação. (Pegando em umas caixinhas:) As gratificações que dentro encontrardes (dando a um dos oficiais) deveis cada um de vós entregar aos oficiais superiores e subalternos, que debaixo do meu e do vosso comando praticaram atos da maior bravura e valor. Para os soldados, outras distinções serão feitas, que atestam por toda a sua vida seus meritórios serviços; a recompensa da Pátria; e o afeto e gratidão do Rei! Transmiti-lhe20 entretanto este apertado abraço que a todos vós dou. (Abraça os quatro oficiais.)
ELES (beijando a mão) – Gratos e reconhecidos aos altos, nobres e elevados sentimentos de V.M. protestamos perante Vós, Deus e as Leis, (arrancando um pouco as espadas) desembainharmos... (arrancando todas) estas espadas e com elas – defender-vos e a Nossa mais que todas virtuosa Rainha, fazendo cair cadáveres quantos se lhes opuserem21; ou cairmos por terra banhados em nosso próprio sangue. (Fazem profunda reverência, e saem.)
RAINHA (e um pouco depois as Damas, entrando apressadamente e atirando-se nos braços do Rei) – Meu querido esposo, quanto me fizeste22 pensar sobre a tua existência, sobre o teu futuro! Sobre a paz e felicidade do nosso Reino! (Desprendendo-se mui devagar de seus braços:) Sim, caro amigo! Quando milhares de feras tentavam lançar-nos talvez fora de nossos territórios [e] deles se apossarem, destruir nossos bens, aniquilar nossa Pátria e fazerem destarte a desgraça geral - não era para menos que para sentir-se o maior receio por tantos males de que nos achávamos ameaçados. Felizmente houve um triunfo completo. Os mares repletos de cabeças, de corpos que boiavam dos nossos inimigos, como se uma peste houvesse destruído a vida de milhares de peixes, como algumas vezes havemos observado. Na península em que tentaram um desembarque, eram tantos que bem se podia dizer que era um matadouro público de carneiros para alimentar uma grande cidade. Felizmente, viveremos, continuaremos a viver tranquilos e felizes!
REI É tudo isso verdade, minha muito querida esposa. Agora, porém, só nos cumpre continuar a velar sobre quanto diz respeito aos interesses públicos d’outra ordem. Eu continuarei a pensar; a meditar; a estudar; a cogitar – quanto possa fazer a felicidade dos homens. Tu que és mulher, de igual modo procederás a respeito das de teu sexo. Combinaremos depois, e todos os dias por duas horas pelo menos de cada um, sobre tais assuntos; o que for julgado melhor, isso se porá em prática.
RAINHA Com muito prazer vos acompanharei em vosso modo de pensar e futura disposição. São horas de descanso, não quereis acompanhar-me?
REI Tenho ainda alguma cousa a fazer nesta sala. Não estou bem certo do que é; porém sei que me falta não sei o quê.
RAINHA Vede o que é; e se eu vos posso auxiliar.
REI Não me recordo; iremos portanto dar um passeio ao jardim, e depois se me lembrar voltarei. Ah! Agora me lembro: é o rascunho da participação que cumpre fazer a todos os governadores que nos auxiliam em nosso importante Governo. (Senta-se; pega a pena, e escreve:) “Meus muito amados súditos e Governadores das diversas Províncias do meu importante Reino! Participo-vos, e sabei que quase inesperadamente fui surpreendido por numerosos traidores, ladrões e assassinos, mas que em um dia, hoje cercado dos meus generais e dos mais valentes, denodados soldados, obtive o mais completo triunfo sobre eles. É sempre a Providência Divina que auxilia nossas Armas e que, se por alguns momentos, como para experimentar a nossa crença, nos envia alguns flagelos, estes desaparecem logo, como as sobras da noute23 aos raios da loura aurora. Publicai este fato glorioso de nossos concidadãos; de nossa fé; de nossa religião; de nossa moral; e de nossa valentia. E conservai-vos, como sempre, no desempenho tão honroso, quão importante do Governo que vos conferiu – o vosso Rei. Q... S..., - M24 – Palácio das Mercês, abril 9 de 1866.”
O REI E A RAINHA (para o público) – Sempre a Lei, a Razão e a Justiça triunfam da perfídia, da traição e da maldade!

Desce o pano, e termina o 3o ato, e com ele a comédia.

Produzido em 15 de maio de 1866, por José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo, no beco do Rosário, em Porto Alegre, sobrado por cima do número 2125.
NOTAS
1. O autor não relacionou todas as personagens. Acrescentamos, porém, os nomes omitidos. A propósito, ver nota 25. Respeitamos a forma do texto: Matildes.
2. No texto: destes.
3. Embora pouco empregada, pode abonar-se esta regência com exemplos extraídos de bons autores.
4. Assim no texto.
5. Neste período aparecem as duas formas – tãobém e também.
6. É curioso o tom messiânico desta fala, tanto mais quanto a pessoa referida é o próprio Q.S., conforme veremos mais adiante. Ver prefácio a este livro, no qual examinamos esse e outros aspectos da complicada personalidade do autor.
7. Sobre esta regência, ver Mateus e Mateusa, nota 27.
8. Iniciais do nome, acrescido do sobrenome, escritos segundo o sistema fonético adotado pelo autor: Jozé Joaqim de Qampos Leão.
9. Como se vê, a exacerbação mental de Q. S., nesse diálogo, chega à mais rematada loucura.
10. No texto: pode se encomendar.
11. Na relação das personagens, o Ministro tem o nome de Eleutério; aqui, já aparece como o Doutor Sá e Brito. Existiam no Rio Grande do Sul, em 1866, vários membros ilustres dessa família. Aqui, parece tratar-se do Dr. José de Sá Brito, líder da Maçonaria e autor de dramas que foram representados em Porto Alegre. Ver Guilhermino Cesar, História da Literatura do Rio Grande do Sul, P. Alegre, Editora Globo, 1956, p. 264.
12. Está: Feichou.
13. Assim no texto.
14. No texto: desconfiasteis
15. Assim no texto, talvez com a intenção de vincar o status social de quem fala.
16. A cena se passa inicalmente num reino hipotético, que tinha representação consular em Porto Alegre. Agora, já estamos na sede do então Império do Brasil, protegida pela Fortaleza da Laje. A confusão que o autor introduz nesta peça é de molde a fazer dela um perfeito exemplar do nonsense teatral.
17. Conforme deixamos anotado no prefácio, a mistura de tratamento é a regra nas peças do autor. Ocorre o mesmo com o fundador do teatro brasileiro, Martins Pena. Os modernos revelam a mesma tendência.
18. Assim no texto.
19. O autor prefere sempre o da por de nesta locução.
20. Lhe por lhes, como ainda era corrente no princípio do século XIX.
21. Está quantos se lhes oporem
22. Está fizesteis
23. No texto o ditongo ou é usado de preferência sobre o oi. Assim, Q.S. escreve sempre, invariavelmente: Couza, noute.
24. Qorpo-Santo, ministro – é o que significam essas iniciais. O pobre autor, no seu desarranjo mental, tira involuntariamente partido de toda essa confusão, fazendo-nos rir.
25. Segue-se no texto a seguinte nota: Faltou declarar, nos personagens, os quatro oficiais premiados.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ÉDIPO REI

Édipo rei
sÓfocles
1
personagens

Édipo
um sacerdote
creonte
coro de velhos tebanos
tirésias
jocasta
um mensageiro (de corinto)
um servo de laio
um arauto
a ação decorre à entrada do palácio real de tebas.
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resumo da peça

a tragédia Édipo rei, considerada por muitos a mais perfeita obra de teatro de
todas as literaturas, apresenta um dos episódios da vida de Édipo. filho de laio
e de jocasta, reis de tebas, anunciara o oráculo a seus pais que Édipo mataria o
pai e se casaria com a mãe; para evitarem esta desgraça mandaram por o
menino numa serra deserta; um pastor levou-o consigo e entregou-o a políbio,
rei de corinto, que tratou a criança como se fosse seu filho. Édipo, já homem,
consultou o oráculo e, vendo o que lhe profetizava, saiu de corinto para não
matar políbio; na viagem encontrou laio e assassinou-o sem saber de quem se
tratava; depois passou por tebas e decifrou o enigma da esfinge, libertando a
cidade do monstro; reconhecidos pelo serviço que lhes prestara, os tebanos
deram-lhe o trono, vago pela morte de laio; para mais se ligar à sua nova
pátria, Édipo casou com jocasta.
a ação da peça principia no momento em que tebas é devastada por uma peste,
indignados os deuses pelos crimes de Édipo – que, de resto, lhes não poderia
fugir por que eram fatais -, e termina pelo exílio do rei. tudo que há entre uma
e outra cena é constituída por episódios que revelam pouco a pouco o
procedimento de Édipo e que são exatamente provocados pelo próprio rei; esta
esmagadora fatalidade, este necessário progredir para a catástrofe, são
apresentados por sófocles como uma admirável arte de composição.
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Édipo (surgindo à entrada do palácio e dirigindo-se à multidão
aterrorizada pela peste que grassa na cidade.)

Ó meus filhos, ó novos descendentes do antigo cadmo, por que razão estais assim, diante de mim, com esses ramos de suplicante? toda a cidade está cheia de incenso, toda a cidade está cheia de treno e de lamentações! e achei, meus filhos, que não deviam ser outros a informar-me, que devia vir eu mesmo, eu, o Édipo célebre entre todos os homens. vamos, fala tu, ó velho, porque é conveniente que fales tu em nome deles. que há então? que esperança e que receio vos trouxe aqui? estai seguros de vos hei de socorrer; seria um homem sem piedade se não me comovesse essa vossa atitude.
sacerdote (destacando-se da multidão.)

Ó Édipo, ó senhor da minha terra natal, aqui nos vês prostrados diante dos altares; aqui estamos todos, cheios de anos, eu próprio, servo de zeus e a flor dos nossos jovens. o resto da gente, com os seus ramos de suplicantes, ficou na Ágora, diante dos dois templos de palas e da cinza fatídica do ismeno. bem o vês, ó senhor: a cidade, batida pela tempestade, já não levanta a fronte acima das espumas sangrentas; morrem os frutos da terra ainda encerrados nos rebentos, adoecem as manadas de bois e não vêm a luz os germes concebidos nos ventres das mulheres. a peste, a mais odiosa de todas as deusas, brandiu seu facho, lançou-se sobre a cidade e devastou as moradias de cadmo. o negro hades se enriquece com os nossos gemidos e as nossas lamentações. e aqui vimos, eu e meus filhos, à tua porta, não porque nos pareças igual aos deuses, mas porque, nos males que a vida traz e naqueles que infligem os deuses irritados, tu és para nós o primeiro dos homens; foste tu quem, ao chegar à cidade de cadmo, nos libertou do tributo que pagávamos à cruel esfinge, sem que te tivéssemos prevenido, sem que te tivéssemos informado. decerto um deus te ajudou a salvar-nos a vida. todos o julgam, todos o crêem. e agora, Édipo, a ti, o mais poderoso dos homens, a ti vimos, como suplicantes, para que dês remédio ao nosso mal, quer te instrua um oráculo divino, quer te aconselhe um homem; sei bem que os bons conselhos dão como fruto os feitos bons. restitui à cidade a sua antiga glória, e cuida também da tua, tu que és o melhor dos homens! toda a terra se lembra dos teus primeiros serviços e te pede de novo que a salves. oxalá não tenhamos que dizer, pensando nos teus dias de poderio, que, libertos por ti, outra vez nos perdemos. restaura a cidade e tranqüiliza-a; já um dia por feliz destino, tu nos salvaste; faze hoje o mesmo; se ainda governas a nossa terra, mais vale que esteja cheia de gente que deserta; torres ou navios, por maiores que sejam, nada valem se estiverem sem homens.
Édipo

Ó meu pobres filhos! bem sei, bem conheço aquilo que vindes implorar; bem sei de que mal todos sofrem; mas as dores que vos afligem, sejam elas quais forem, nada valem em comparação com as minhas; cada um de vós sofre
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por si mesmo, sem sentir o mal dos outros, e eu tenho de me lamentar, ao mesmo tempo, pela cidade, por vós e por mim. sabei que me não acordastes de nenhum sono; bastante tenho chorado, bastantes inquietações e pensamentos tenho agitado no meu espírito; e já tentei o único remédio que encontrei nas minhas reflexões. já enviei a delfos, à morada de febo, o filho de meneceu, creonte, meu cunhado, para saber com que palavras ou ações poderei salvar esta cidade; tenho contado um por um os dias que passaram desde a sua partida; e já estou inquieto; a sua ausência vai além do que seria natural. mas quando ele vier, que todos me tratem como um homem abominável, se eu não executar o que o deus tiver ordenado!
o sacerdote
bem a propósito foram as tuas palavras; anunciam-me que creonte
chega.(aparece creonte.)
Édipo
Ó apolo, ó senhor! oxalá seja tão propício o teu oráculo como alegre é a
tua face!
o sacerdote
efetivamente bem podemos crer que vem contente; de outro modo não
teria cingido a fronte com folhas e os frutos do loureiro.
Édipo
vamos já sabê-lo, porque já está à distância de o ouvirmos. senhor meu
parente, filho de meneceu, que resposta do deus nos trazes tu?
creonte
uma excelente resposta. há coisas decerto bem difíceis de fazer; mas
acho que são boas, se forem bons os resultados.
Édipo
qual é o oráculo? É que as tuas palavras não nos dão nem confiança
nem receio.
creonte
se quiseres que eles ouçam, estou pronto a falar; se não quiseres,
entremos no palácio.
Édipo
fala diante de todos. mais me preocupam os seus males do que os
temores pela minha vida.
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creonte

direi, pois, o que me disse o deus. ordena-nos apolo que apaguemos a mancha que alastrou na nossa terra, que a façamos desaparecer, em lugar de a deixarmos aumentar, devemos recear que se trone inexpiável.
Édipo
e de que espécie é esse mal? que expiação?...
creonte
expulsando um homem dos nossos territórios ou vingando o crime com
outro crime, porque é um crime que está arruinando a cidade.
Édipo
contra que homem foi cometido o crime que fala o oráculo?
creonte
senhor, foi contra laio, outrora rei de nossa terra, antes de tu seres o
chefe da cidade.
Édipo
já ouvi falar disso; eu nunca o vi.
creonte
o oráculo ordena claramente que sejam castigados os que assassinaram
esse homem.
Édipo
em que terra estão? com se há de encontrar qualquer vestígio desse
crime tão antigo?
creonte
diz o oráculo que há vestígios na cidade. só se encontra o que se busca;
o que nos é indiferente, de nós foge.
Édipo
mas dize-me creonte: foi nos campos, foi aqui, ou foi em terra estranha
que laio foi morto?
creonte
dizem que partiu para consultar o oráculo e que nunca mais voltou ao
seu palácio.
Édipo
6
e não houve nenhum mensageiro, não houve nenhum dos seus
companheiros que tivesse visto e possa contar como tudo se passou?
creonte
todos morreram, exceto um que fugiu cheio de terror e de tudo o que viu
só uma coisa revelou.
Édipo
que foi? bastava um pormenor para descobrirmos o resto; bastava um
leve raio de esperança.
creonte
disse que foram uns ladrões que assaltaram laio e que ele foi morto não
por um só, mas por muitos ao mesmo tempo.
Édipo
mas teria um ladrão tão grande audácia, se lhe não tivessem pago o
feito?
creonte
foi do que se suspeitou, mas não houve ninguém, meio dos nossos
males, que se tivesse erguido para vingar a morte de laio.
Édipo
e que males foram esses que impediram que se investigasse sobre a
morte do rei?
creonte
a esfinge, com suas manhas e palavras, obrigou-nos a deixar o certo
pelo presente.
Édipo

pois bem; eu esclarecerei a origem de tudo. foi digno de tebas e digno de ti terem-se importado com a morte do rei; por isso vos hei de ajudar a vingar o deus e a cidade. de resto, não é por um inimigo longínquo, é por mim próprio que hei de castigar este crime. quem matou laio poderia matar-me a mim com a mesma audácia; indo por ele, por mim vou. vamos, meus filhos, levantai-vos daí do limiar e levai os vossos ramos de suplicantes. vá outro chamar a Ágora o povo de cadmo, porque eu tudo tentarei. ou somos felizes, com a ajuda do deus, ou estaremos todos perdidos.
o sacerdote
levantemo-nos, meus filhos, já que ele nos promete aquilo porque
viemos. oxalá febo, que nos mandou este oráculo, seja o nosso salvador e nos
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livre dos nossos males!
(Édipo retira-se, acompanhado de creonte. a multidão dispersa,
precedida do sacerdote. entra o coro.)
o coro

Ó harmoniosa palavra de zeus, vinda da rica delfos para a ilustre tebas! treme meu peito e o terror o agita, É péon délio! receio saber o que farás por mim, ou hoje mesmo, ou na volta dos tempos. dize-me tu, ó filha da esperança de ouro, ó voz imortal!

a ti convoco em primeiro lugar, ó filha de zeus, ó celeste atena, com tua irmã artemísia, protetora da terra, que em trono glorioso se senta a meio da Ágora, e com febo que ao longe atira os dardos. vinde a mim, vós os três que sanais todos os males; já uma vez, quando a desgraça caiu sobre a cidade, extinguistes o fogo impetuoso; vinde agora de novo!

Ó deuses! sofro males sem número; todo o meu povo morre e nada há no pensamento que o possa socorrer. os frutos desta terra famosa já não amadurecem, nem tem filhos as mulheres, que sentem dores terríveis; e um após o outro, com as rápidas aves, com mais ardor que o indomável fogo, precipitam-se os homens para as praias do deus dos infernos.

esgotam a cidade os funerais inúmeros; os mortos que e si lamçam a morte jazem pelo chão, sem que ninguém os chore; as noivas e as mães de cabelos brancos, prostradas pelos degraus de todos os altares, pedem com gritos e soluços que dêem fim às desgraças deploráveis. os trenos e o queixoso rumor dos lamentos levantam-se e redobram. Ó áurea filha de zeus, manda- nos o teu auxílio poderoso.

obriga-nos a fugir, a estes ares pestífero, que, sem as armas de bronze, agora nos consome, sobre nós se lançando com grandes clamores. expulsa-o da pátria, ou para o vasto leito de anfitrite, ou para as inóspitas margens do mar da trácia. ao que a noite poupou o dia acaba. Ó zeus, nosso pai, senhos dos fuzis esplendorosos, destrói-o com teus raios!

rei lício, vem tu em nossa ajuda e lança com teu arco de oiro as flechas invencíveis! surjam os fachos flamejantes com que artemísia percorre os montes lícios! e invoco o deus epónimo desta terra, o deus da mitra de oiro, baco Évio, o deus da face purpurina, o companheiro das ménades, para que venha também, brandindo o seu facho ardente, contra este deus desprezado por todos os deuses!
Édipo(reapa recendo )

suplicas aos deuses, e eles te concederão o que pedes, um remédio, um refrigério para teus males, se quiseres escutar-me e agir contra esta calamidade. falarei com uma pessoa estranha ao oráculo e ao crime cometido; não poderei averiguar coisa alguma se não me derem qualquer indicação. e agora, eis que vos tenho a dizer, cidadãos de cadmo, eu, o último a chegar aqui
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depois de tal acontecimento: se há algum entre vós que saiba que homem matou laio, filho de lábdaco, eu lhe ordeno que me revele tudo; se teme ou recusa acusar-se, que saia são e salvo desta terra! não sofrerá de minha parte nenhum outro castigo. se alguém sabe que foi um estrangeiro que cometeu o crime, que não cale o seu nome, porque eu o recompensarei e ainda lhe ficarei reconhecido. mas se vos calardes, se algum dentre vós, receando por si ou por um amigo, não se importar com as minhas palavras, ficai sabendo que ordeno que esse homem não seja acolhido por nenhum habitante desta terra em que possuo o poder e o trono; que ninguém o hospede, nem o admita às súplicas e aos sacrifícios aos deuses, nem o banhe com a água lustral; que todos o afastem de suas casas, que seja para todos nós um ser impuro, tal qual o declarou o oráculo do deus pítio. assim venho em auxílio do deus e do morto. maldição sobre o assassino desconhecido, quer tenha cometido sozinho o crime, quer outros o tenham ajudado! que as desgraças lhe consumam a vida! que eu próprio sofra os males que as minhas imprecações chamam sobre ele, se voluntariamente o receber no meu palácio! ordeno-vos que assim procedais, por amor e mim, por amor do deus, por amor desta terra abandonada e estéril. mesmo que o oráculo o não tivesse ordenado, eu não deixaria sem castigo o assassino desse homem valente, desse rei que mataram; tínhamos de procurá- lo. como é meu o poder que ele tinha antes de mim, como desposei sua própria mulher para dela ter filhos, como trataria como meus os filhos que ele tivesse deixado, como a sorte terrível se abateu sobre ele, procederei como se fosse meu pai e tudo farei para prender o assassino do filho de lábdaco, do descendente de polidoro, de cadmo e do velho agenor. quanto àqueles que não obedecerem às minhas ordens, rogo aos deuses que não tenham nem colheitas das terras, nem filhos das mulheres, e que morram do mal que nos mata ou doutro pior ainda. e vós, cadmeios, que aprovais, oxalá vos ajudem a justiça e todos os deuses propícios!
o coro

senhor, as tuas imprecações obrigam-me a falar: não matei nem sei quem matou. compete a febo, que proferiu este oráculo, dizer quem cometeu o crime.
Édipo
o que dizes é justo, mas nenhum homem pode obrigar os deuses a fazer
o que não querem.
o coro
vou juntar segundo pensamento àquele que exprimi.
Édipo
e terceiro, se quiseres. não hesites.
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o coro
sei, senhor, que tirésias, como febo, revela a verdade a quem o
interroga.
Édipo
já pensei nele, já lhe enviei, a conselho de creonte, dois mensageiros.
admiro-me até que ainda não tenha chegado.
o coro
tudo o mais que se diz é já velho e falso.
Édipo
que se diz então? preciso de saber tudo.
o coro
conta-se que laio foi morto por alguns viandantes.
Édipo
já ouvi falar nisso; mas ninguém presenciou o feito.
o coro
se o assassino ainda tem algum temor não poderá suportar as
imprecações terríveis que lançaste.
Édipo
quem não teme cometer um crime, também não se deixa aterrorizar por
palavras.
o coro
eis aí vem quem o há de descobrir. tragaram para aqui o divino profeta;
só ele, dentre todos os homens, conhece a verdade.
(conduzido por uma criança surge tirésias, velho, cansado, cego.)
Édipo

Ó tirésias, tu que compreendes todas as coisas, as lícitas e as ilícitas, as do céu e as da terra, bem sabes, embora privado da luz dos olhos, de que mal sofre a cidade; e só a ti encontramos para nos proteger e nos salvar. com efeito, febo – e já talvez estes to tivessem dito – respondeu aos nossos enviados que a única maneira de nos livrarmos da doença era matar os assassinos de laio ou exilá-los da cidade. não nos recuses os augúrios das aves nem as outras adivinhações; salva a cidade, salva-te a ti próprio e a mim; lava esta impureza que ficou pela morte do homem que mataram. de ti depende a nossa salvação; não há tarefa mais gloriosa para um homem do que por a sua
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ciência e o seu poder ao serviço dos outros homens.
tirésias
ai de mim! como é terrível saber, quando o saber é inútil. tudo sabia, e
tudo esqueci; de outro modo, não teria vindo.
Édipo
que é isso? pareces-me cheio de tristeza.
tirésias
manda-me voltar para casa. se me obedeceres melhor será, para ti e para
mim.
Édipo
o que dizes não é justo, nem bom para a cidade que te sustentou, se
recusares revelar o que sabes.
tirésias
sei que estás a falar contra ti próprio, e temo o mesmo perigo para mim.
Édipo
em nome dos deuses! não me escondas o que sabes. todos nós nos
prosternamos diante de ti e te suplicamos...
tirésias
estais todos loucos. não, não provocarei a minha desgraça, e a tua.
Édipo
que dizes? sabes tudo e não queres falar? tens então o intuito de nos
trair e de perder a cidade?
tirésias
nem a ti nem a mim eu quero esmagar de dor. É em vão que me
interrogas. de mim nada saberás.
Édipo
nada, miserável, nada! serias bem capaz de enfurecer um coração de
pedra. não há em ti senão dureza e inflexibilidade.
tirésias
lanças-me em rosto a cólera que excito, mas ignoras a que hás de excitar
nos outros. e ainda me censuras!
Édipo
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quem não há de irritar-se ao ouvir-te proferir as palavras que só
exprimem desprezo pela cidade?
tirésias
tudo o que tem de suceder sucederá, apesar do meu silêncio.
Édipo
pois se tem de suceder bem mo poderias revelar.
tirésias
nada mais direi. podes, se quiseres, abandonar-te à mais violenta das
cóleras.
Édipo

tão grande é o furor que sinto que não deixarei de declarar todas as minhas suspeitas. ficarás sabendo, pois, que me parece que tomaste parte no crime, que o cometeste mesmo, embora não tenhas sido o assassino; se não fosse cego, só a ti acusaria da morte.
tirésias

ah! sim? então vou ordenar-te que obedeças ao decreto que promulgaste e que, de hoje por diante, não fales a nenhum destes homens, nem a mim, porque és tu o ímpio que mancha a nossa terra.
Édipo
como ousas tu falar-me com essa imprudência? julgas que escaparás
sem castigo?
tirésias
não tenho medo algum. tenho comigo a força da verdade.
Édipo
quem te disse isso? não foi decerto o teu saber.
tirésias
foste tu, foste tu quem me obrigou a falar.
Édipo
o quê? repete o que disseste, a ver se compreendo melhor.
tirésias
ainda não compreendeste? estás-me a tentar, para que fale ainda mais?
Édipo
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não compreendo bem o que disseste. repete.
tirésias
digo que és tu próprio o assassino que procuras.
Édipo
não me insultarás impunemente pela segunda vez.
tirésias
queres que fale mais, para mais te irritar?
Édipo
dize o que quiseres. tudo será inútil.
tirésias
então direi que te uniste vergonhosamente e sem o saber aos que te são
mais queridos e que nem pressentes o perigo em que estás.
Édipo
contas com a impunidade?
tirésias
decerto, se a verdade ainda tem alguma força.
Édipo
sem dúvida que tem, mas não por ti; não por ti, que és cego dos olhos,
do ouvido e do espírito.
tirésias
Ó infeliz! insultas-me com as mesmas palavras com que os outros te
hão de insultar dentro de pouco tempo.
Édipo
andas perdido na noite eterna e não me podes ofender a mim, nem a
nenhum dos que vêem a luz.
tirésias
não está no teu destino que seja eu a abater-te. É tarefa de apolo; é
cuidado que lhe cabe.
Édipo
isso foi inventado por ti ou por creonte?
tirésias
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não é creonte a causa do teu mal; tu próprio és o teu inimigo.
Édipo

Ó riqueza, ó poder, ó glória de uma vida célebre pela ciência e por tantos trabalhos, quanta inveja excitais! por este poder que a cidade me entregou sem que eu lho tenha pedido, engendra creonte, o inimigo fiel desde início, intrigas secretas contra mim e trabalha por me derrubar, comprando este mentiroso, este artífice de enganos, este impostor que só pensa no ganho e só é cego na sua arte. vamos, dize-me lá em que te mostras-te bom adivinho. por que razão não encontraste nenhum meio meio de salvar os cidadãos, quando ela aí estava, essa cadela, com as suas palavras obscuras? não era um homem qualquer que tinha obrigação de explicar o enigma, mas sim os adivinhos. nada fizeste, nem pelos augúrios das aves, nem por uma revelação dos deuses. e fui eu, Édipo, que chegava sem nada saber, quem venceu a esfinge pela agudeza do espírito e sem auxílio das aves dos augúrios. e é esse homem que tentas derrubar, com a esperança de te sentares no mesmo trono, junto de creonte. mas bem creio que vos tereis de arrepender, tu e o homem que concebeu expulsar-me da cidade como a um ímpio. se me não parecesse que a velhice te tornou insensato, verias num instante o que custam tais projetos.
o coro

pelo que nos parece, ó Édipo, as tuas palavras e as dele estão cheias de ardente cólera. não é disso que temos de tratar. mas de saber como havemos de executar o melhor possível o oráculo do deus.
tirésias

tu possuis o poder da realeza, mas eu tenho o direito de te responder como igual; efetivamente, não é a ti que estou submetido, mas a lóxias, e jamais serei um servidor de creonte. censuraste-me a cegueira, e eu dir-te-ei que não consegues ver com os teus olhos os males que te cercam, nem com quem vives, nem em que palácio. sabes quem foram os teus pais? desconheces que és o inimigo dos teus, dos que já estão debaixo da terra e dos que ainda vivem sobre ela. um dia teu pai e tua mãe te hão de execrar ao mesmo tempo e te hão de expulsar desta cidade. hoje vês, um dia serás cego. onde se não ouvirão os teus gemidos? em que lugares do citero não ressoarão os teus lamentos, quando souberes das núpcias já realizadas e do porto fatal a que foste levado, depois de feliz navegação? não vês as desgraças sem número que farão de ti um teu igual e o igual dos teus filhos. e agora insulta-nos quanto quiseres, a creonte e a mim; de todos os mortais, nenhum sofrerá mais misérias do que tu.
Édipo
quem poderá suportar tais palavras? vai daqui, miserável! sai deste
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palácio! e não voltes!
tirésias
não teria vindo se não me tivesses chamado.
Édipo
não sabia que falarias como um louco; se o soubesse, não teria pedido
que viesses ao meu palácio.
tirésias
pareço-te louco, mas tinham-me por avisado aqueles que te deram o ser.
Édipo
espera! quem são? quais foram os mortais que me geraram?
tirésias
este dia de hoje te fará nascer e te fará morrer.
Édipo
todas as tuas palavras são obscuras e incompreensíveis.
tirésias
não és tão hábil em compreender estas obscuridades?
Édipo
censuras-me o que me fará ilustre.
tirésias
foi exatamente o que te perdeu.
Édipo
libertei esta cidade e não me arrependo do que fiz.
tirésias
vou-me embora. guia-me tu, meu filho.
Édipo
sim, que te guie e te leve. a tua presença só me perturba e me ambaraça.
já não me pesarás longe daqui.
tirésias

vou-me embora; mas hei de dizer primeiro por que razão vim aqui, sem recear a tua presença, porque nunca me poderás fazer mal. o homem que procuras, que ameaças com tuas ordens por causa da morte de laio, esse
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homem está aqui; dizem-no estrangeiro, mas dentro em pouco saberás que é de tebas, o que pouca alegria lhe há de dar; vê a luz e há de tronar-se cego, é rico e há de tornar-se pobre; partirá para terras estranhas; será para todos o irmão de seu próprio filho, o filho e esposo daquerla que o gerou, aquele que ocupa o leito de seu pai, depois de o ter matado. vai tu para o teu palácio, pensa em tudo isto e, se vires que menti, dize então quie sou mau adivinho.
(tirésias retira-se e Édipo reentra no palácio.)
o coro

quem é que o rochedo fatídico de delfos declara ter cometido com sangrentas mãos o mais abominável dos crimes? É tempo que fuja, mais ligeiro que os cavalos rápidos como o vento, porque o filho de zeus, armado de fogo e de relâmpagos, vai lançar-se sobre ele, seguido das ceres inevitáveis e terríveis.

a voz gloriosa, partindo do nevado parnaso, ordena que se busque o homem que se esconde; erra pelas florestas bravias, pelas cavernas, pelos rochedos, como um toiro, e anda vagabundo, o infeliz, miserável e solitário, para escapar ao oráculo saído do centro da terra; mas o oráculo, que não morre, persegue-o por toda a parte.

horrivelmente me perturba este adivinhador de augúrios; não posso afirmar nem negar o que ele disse. hesito, não sei como falar, fico na incerteza, nada vejo de seguro, nem no presente, nem no passado. nunca ouvi falar de nenhum desacordo entre os labdácidas e o filho de políbio, nunca duvidei da excelente fama de Édipo e de que exista quem vingue o ignorado assassino do filho de lábdaco.

zeus e apolo são sabedores e conhecem as ações dos homens; mas não tenho a certeza de que este adivinho saiba mais do que eu; decerto um homem pode saber mais do que outro; mas, antes que os fatos lhe venham comprovar as palavras, não estarei entre os que condenam Édipo.

outrora, quando a virgem alada lhe apareceu diante, manifestou a sua sabedoria e a sua bondade para a nossa terra; é por isso que, não o considerarei culpado.
(aparece creonte, perturbado.)
creonte

soube, cidadão, que Édipo me dirigiu acusações caluniosas e aqui venho, cheio de uma dor intolerável. se ele julga que nas desgraças de hoje lhe fiz algum mal, por palavras ou ações, se ele me acusa de tal crime, então já não quero viver mais. já seria bastante uma tal injúria; mas que enorme fatalidade seria para mim ver-me repelido pela cidade, por vós todos, pelos meus amigos!
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o coro
creio bem que o insulto veio mais da cólera do que da reflexão do
espírito.
creonte
como se averiguou que o adivinho mentiu a meu respeito?
o coro
assegurou-o Édipo, mas não sei com que provas.
creonte
tinhas os olhos serenos, tinha o espírito calmo quando me acusou desse
crime?o coro
não sei, porque não reparo no que fazem os chefes. aí vem ele a sair do
palácio.
Édipo

ah! És tu? que fazes aqui? são tão grandes a tua audácia e imprudência que ousas aproximar-te do palácio, tu que pretendes assassinar-me, tu que pretendes, todos o sabem, roubar-me o trono? vamos, fala, em nome dos deuses! já viste em mim algum sinal de cobardia ou demência para que te arriscasses a tal empresa? esperavas que não descobrisse o plano concebido com tanta manha ou que o descobrisse e me não vingasse? não é uma loucura quereres tirar-me, só com os teus esforços, sem a ajuda do povo e sem amigos, o poder real que se não pode obter senão pela riqueza e pelo apoiuo popular?
creonte
sabes o que tens a fazer? vou responder às tuas palavras. depois de
saberes tudo, darás o teu parecer.
Édipo
tu falas muito bem, mas eu escuto muito mal; sei bem que me injurias e
me tens má vontade.
creonte
mas ouve agora o que tenho a dizer-te.
Édipo
não me vás afirmar que não és mau.
creonte
bem te enganas se pensas que é boa uma obstinação insensata.
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Édipo
e bem te enganas tu, se pensas que ultrajarás sem castigo um teu
parente.
creonte
reconheço que o que dizes é justo; mas revela-me o ultraje que te fiz.
Édipo
aconselhaste-me ou não a enviar um mensageiro ao venerável adivinho?
creonte
É ainda o que se me afigura melhor.
Édipo
há quanto tempo foi que laio...?
creonte
fez o quê? não compreendo...
Édipo
... foi derrubado com um golpe mortal?
creonte
já foi há muitos, muitos anos.
Édipo
e este adivinho já exercia a sua arte?
creonte
todos o tinham, como hoje, por sábio e honrado.
Édipo
falou alguma vez em mim nessa altura?
creonte
que eu ouvisse, não.
Édipo
e nunca ninguém fez investigações sobre a morte?
creonte
fizeram-se, sem dúvida. mas nada se conseguiu apurar.
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Édipo
e por que razão o sábio adivinho não disse o mesmo nessa época?
creonte
não sei; é meu costume calar-me a respeito do que não sei.
Édipo
há uma coisa pelo menos que tu sabes e que vais dizer.
creonte
que é? não deixarei de a dizer, se souber.
Édipo
se o adivinho não estivesse combinado contigo não me acusaria de ter
matado laio.
creonte
se ele o disse, tu o sabes. mas agora quero interrogar-te da mesma
maneira por que tu me interrogas a mim.
Édipo
pergunta o que quiseres. nunca poderás provar que fui o assassino de
laio.
creonte
dize então: não é minha irmã tua mulher?
Édipo
não o posso negar.
creonte
não governas juntamente com ela, cada um com metade do poder?
Édipo
estou sempre de acordo com o que ela pretende.
creonte
e não sou igual a vós dois?
Édipo
É por isso, decerto, que te mostras mau amigo.
creonte
não tornarás a falar assim, se te resolveres a pensar razoavelmente,
19

como eu. vê em primeiro lugar o seguinte: não achas que é preferível, com poder igual, dormir tranqüilo a dar ordens no meio de terrores? por mim, sem dúvida, gosto mais de fazer o que fazem os reis do que ser eu rei, e todo o homem avisado pensa de igual modo. com efeito, tudo obtenho de ti sem um receio e, se fosse rei, teria de fazer grande número de coisas contra minha vontade.

como poderia ser mais agradável reinar do que permanecer poderoso e sossegado? não sou louco a ponto de desejar outras coisas além dos bens que me dão proveito: hoje todos me honram, todos são meus amigos; os que desejam qualquer coisa de ti lisonjeiam-me, porque está nas minhas mãos conseguirem o que querem. para que havia eu de perder estas vantagens? para reinar? seria uma ambição insensata, digna de um espírito pervertido. não tenho os desejos que tu julgas e nunca poderia realizá-los com o auxílio de outrem. e a prova é bem fácil de obter. vai a delfos e pergunta se não te reproduzi fielmente o oráculo; e, se averiguares que me combinei com o adivinho, mata-me então e por dois votos, o teu e o meu. mas não me acuses sem provas, porque não é bom decidir temerariamente que os bons são maus e os maus são bons; quem se desfaz de um amigo fiel procede pior, ouve bem, procede pior do que se desfizesse da própria vida, o bem que mais se ama. com o tempo te convencerás de tudo isto, porque só o tempo mostra quem é o homem honesto, ao passo que num só dia poderemos reconhecer os perversos.
o coro
se temes errar, não podes deixar de reconhecer, senhor, que falou com
razão; os que julgam à pressa não julgam seguro.
Édipo

quando os outros estão prontos a armar-me os enganos, tenho eu de estar pronto e decidir-me; se eu nada fizer, ele realizará os teus planos e os meus serão inúteis.
creonte
que pretendes tu? expulsar-me da cidade?
Édipo
não, não te quero exilar; quero que morras.
creonte
está bem, mas só depois de teres provado a acusação que me fazes.
Édipo
tentas resistir e desobedecer-me?
creonte
20
já vejo que és um louco.
Édipo
não o sou no que me diz respeito.
creonte
nem deves sê-lo no que me diz respeito a mim.
Édipo
És um pérfido!
creonte
enganas-te.
Édipo
em qualquer caso deves-me obediência.
creonte
a um mau rei, nenhuma.
Édipo
Ó cidade! Ó cidade!
creonte
também é minha; não te pertence só a ti.
coro
suspendei, senhores. jocasta vem saindo do palácio; e vem a propósito,
para apaziguar o vosso desacordo.
jocasta

Ó desgraçados, por que vos empenhais nessa insensata guerra de palavras?! não vos envergonhais, em terra tão experimentada de desastres, de levantar questões particulares? vamos, volta para o palácio; e tu, creonte, vai para tua casa. não armeis tamanha luta sobre o que nada vale.
creonte
minha irmã: Édipo, teu marido, dispõe-se a tratar-me com toda a
crueldade, pela escolha entre duas desgraças, o exílio ou a morte.
Édipo
confesso que assim é, porque o surpreendi a urdir contra mim uma
conjura cheia de pérfidas manhas.
21
creonte
oxalá não haja para mim mais nenhuma alegria na vida, oxalá morra
execrado de todos, se é verdade ter eu cometido o crime de que me acusas!
jocasta

pelos deuses, Édipo, tens de acreditar no que ele assegura e jura em nome dos imortais; tens de o fazer por respeito por mim e por aqueles que estão presentes.
coro
consente, senhor; suplico-te que esteja o teu espírito de acordo com isto.
Édipo
em que queres tu que eu ceda?
coro
respeita quem dantes não era um insensato e agora se protege com a
santidade do juramento.
Édipo
mas sabes tu o que pedes?
coro
sei.
Édipo
dize então tudo o que pensas.
coro
não castigues por um crime duvidoso, por um feito incerto, o amigo que
um juramento consagrou.
Édipo
mas fica sabendo que o que pedes é, para mim, a morte ou o exílio.
coro

não, decerto! e juro-te pelo deus hélio, o primeiro dentre todos os deuses! que eu morra detestado e pelos homens, no meio dos maiores suplícios, se alguma vez pensei em tal! mas a desgraça da minha pátria mais me fere o coração quando vejo que, por vosso intermédio, novos males se juntam àqueles que já nos atormentavam.
Édipo
que se retire, pois! mesmo que eu tenha de perecer ou de ser expulso,
22

com o desprezo de todos, dos territórios da cidade. foram as tuas palavras, não as dele, que me despertaram a piedade. mas sempre lhe terei ódio, vá ele para onde for.
creonte
És inexorável, até quando cedes. hás de arrepender-te quando a cólera te
passar. as almas como a tua castigam-se a si próprias.
Édipo
deixa-me. vai-te.
creonte
pois vou, sem que me reconheças; mas para estes que aqui estão hei de
ser sempre o mesmo.
(abandona a cena.)
coro
mulher, por que tardas em levar Édipo para o vosso palácio?
jocasta
quero saber primeiramente que disputa era esta.
coro
surgiu de palavras obscuras. uma falsa acusação irrita o espírito.
jocasta
acusavam-se os dois?
coro
sem dúvida.
jocasta
e que diziam eles?
coro
o que se passou já é bastante para mim; com tais desgraças na cidade,
prefiro ficar onde ficou a questão.
Édipo
vês o que estás fazendo? apesar de avisado, enfraqueces-me e
despedaças-me a alma.
coro
23

Ó senhor, já o disse e repeti: considerar-me irrefletido e incapaz de bem pensar se me separasse de ti, que dirigiste para o bom caminho a minha pátria querida que já não podia lutar contra o seu mau destino. e agora mesmo te peço que, se podes, a guies com segurança.
jocasta
pelos deuses, senhor! dize-me a causa da tua cólera violenta.
Édipo
vou falar, mais para ti que para eles. creonte concebeu maus desígnios
contra mim.
jocasta
fala então e vê se podes provar, explicando a questão, que acusaste
creonte com justiça.
Édipo
afirmou que fui eu o assassino de laio.
jocasta
e sabe-o por si ou ouviu-o de outrem?
Édipo
enviou um miserável adivinho que diz de mim todo o mal que pode.
jocasta

não fales mais de tudo isso que se diz. escuta as minhas palavras e fica sabendo que a ciência dos adivinhos nada pode prever das coisas humanas; vou provar-to em breves palavras. outrora um oráculo revelou a laio, não pelo próprio febo mas pelos seus sacerdotes, que estava, que estava no seu destino ser morto por um filho que de mim nasceria; e, no entanto, foram ladrões doutras terras quem o matou numa encruzilhada. quanto à criança, assim que fez três dias, mandou-a ele por, com os pés atados, numa serra deserta. apolo não conseguiu que fosse o filho o assassino do pai nem que laio sofresse do filho temia.
eis como se cumprem os vaticínios fatídicos. não te importes. o deus
descobrirá facilmente o que pretende saber.
Édipo
Ó mulher, como as tuas palavras me puseram a alma inquieta e me
agitam o peito!
jocasta
mas que novo cuidado te perturba?
24
Édipo
parece-me ter-te ouvido dizer que laio foi morto numa encruzilhada.
jocasta
É efetivamente o que se conta e nunca ninguém o desmentiu.
Édipo
em que sítio aconteceu isso?
jocasta
na terra a que chamam a fócida, no ponto em que se encontram as
estradas que vêm de delfos e da dáulia.
Édipo
já há muito tempo?
jocasta
tudo isto correu na cidade um pouco antes de te teres tornado o senhor
desta terra.
Édipo
Ó zeus! que me levaste a fazer?
jocasta
Édipo, donde vem esse terror?
Édipo
não me perguntes mais nada. dize-me só qual era o aspecto de laio, qual
era a sua idade.
jocasta
era alto, de cabelo já grisalho e o seu rosto parecia-se com o teu.
Édipo
ai de mim! creio já que sem saber lacei sobre mim próprio imprecações
horríveis.
jocasta
que dizes tu, pelos deuses? tremo até de te olhar, senhor!
Édipo
aterroriza-me a clarividência desse adivinho. vais esclarecer-me melhor
dizendo-me só mais uma coisa.
25
jocasta
sinto-me aterrada; mas direi, se souber, aquilo que desejares conhecer.
Édipo
viajava com um pequeno número de companheiros ou ia com muitos
guardas, como costumam os senhores reais?
jocasta
eram cinco e, entre eles, um arauto. laio ia num carro.
Édipo
ai! ai! tudo é claro agora! mas quem te contou tudo isso, mulher?
jocasta
um dos criados, o único que voltou são e salvo.
Édipo
está agora no palácio?
jocasta

não está; logo que regressou e te viu com o poder real depois da morte de laio, suplicou-me ardentemente, agarrando-se-me às mão, que o mandasse para os campos apascentar os rebanhos, de modo a estar muito longe da cidade. e eu permiti que fosse, porque, apesar de ser um escravo, era digno de recompensa.
Édipo
É possível ordenar-lhe que volte imediatamente?
jocasta
É facílimo. mas que te leva a formulares esse desejo?
Édipo
Ó mulher, receio que já me tenhas falado demais, e é por isso que quero
vê-lo.
jocasta
virá, pois, mas entretanto, senhor, acho que tenho o direito de saber o
que te entristece a alma.
Édipo
não o recusarei porque só me resta esta esperança. a quem me hei de
confiar senão a ti, numa tal incerteza? meu pai era políbio de corinto, minha
26

mãe mérope da dória; e consideravam-me o primeiro dos homens de corinto, quando me aconteceu uma aventura, extraordinária, na verdade, mas não tanto que me devesse inquietar. durante um banquete, um homem já bastante embriagado chamou-me enjeitado; dolorosamente ferido pela injúria, mal me contive durante esse dia; no dia seguinte fui ter com meu pai e minha mãe, perguntei-lhes o que havia e ambos se indignaram, com grande contentamento meu, contra aquele que proferira tais palavras. no entanto, o ultraje feria-me a alma porque tinha penetrado bem fundo. parti, pois, para delfos sem que o soubessem meus pais, e febo, sem dar resposta alguma à pergunta que ali me tinha trazido, claramente me predisse outras coisas lamentáveis e terríveis: que casaria com minha mãe, que geraria uma raça odiosa aos homens e que mataria meu pai. ao saber isto, deixei a terra de corinto, guiando-me pelos astros, para fugir e me esconder onde não pudesse ver cumprirem-se os oráculos vergonhosos e horríveis; caminhando sempre, cheguei ao lugar onde afirmas que laio morreu.

ora vou dizer-te a verdade, mulher. ia eu não muito longe da encruzilhada, quando vieram ao meu encontro um arauto e um homem com o aspecto que disseste e que ia num carro de cavalos; o cocheiro e o velho quiseram afastar-me violentamente do caminho; cheio de cólera, bati no cocheiro que me empurrava; o velho, quando me viu passar ao lado do carro, aproveitou a ocasião e bateu-me com o chicote na cabeça; não sofreu o mesmo, porque logo, com uma pancada do cajado que levava, o atirei do carro abaixo; e matei também todos os outros. se esse desconhecido tinha alguma coisa de comum com laio, a quem execrarão mais os deuses do que a mim? nenhum forasteiro nem nenhum cidadão me receberá nem falará; todos me expulsarão de suas casas; e sou eu próprio, o assassino, quem macula o leito do morto! não sou um impuro criminoso, eu que tenho de me exilar, de fugir, sem tornar a ver os meus, sem tornar a por o pé em minha terra natal? se o fizer, terei de casar com minha mãe e de matar meu pai. bem razão teria aquele que dissesse que tal destino me foi talhado por um gênio inexorável. Ó deuses sagrados! oxalá eu não veja esse dia! oxalá eu desapareça no meio dos mortos antes de me ter manchado com tais horrores!
o coro
tudo isso, senhor, nos enche de medo. mas antes de ouvires quem estava
presente não deves desesperar.
Édipo
ah! certamente! o pastor é a única esperança de me resta!
jocasta
e por que motivo te sentiras seguro depois de o escutares?
Édipo
27
vais sabê-lo; se disser o mesmo que tu, estarei livre de todo o mal.
jocasta
que palavras tão importantes ouviste de mim?
Édipo

disseste que ele te contou que laio foi morto por ladrões; se agora mesmo se referir ao número de assaltantes, não fui eu o assassino; um só não pode ser confundido com muitos. mas se disser que só havia um homem, então ficará demonstrado que cometi eu o crime.
jocasta

fica sabendo que foi assim que ele contou o caso e que lhe não será lícito dizer agora o contrário; toda a cidade o ouviu, não eu sozinha. mesmo que se afaste das primeiras palavras, não dará nenhuma prova, a crermos no oráculo, de que tu cometeste o crime, visto que lóxias declarou que laio devia ser morto pela mão de seu filho; ora, a pobre criança não o podia ter matado porque já estava morta. nenhum adivinho me fará mudar de opinião.
Édipo
É razoável o que pensas; mas manda alguém chamar o escravo; não te
esqueças.
jocasta
vou mandar já. mas entremos no palácio; nada farei que te possa ser
desagradável.
(retira-se com Édipo para o palácio.)
o coro

oxalá que esteja na sorte que me cabe conservar a sagrada honestidade das palavras e dos atos, segundo as leis sublimes que vieram do céu, segundo as leis que têm o olimpo única origem, que não foram concebidas pela raça mortal dos homens nem o esquecimento conseguirá adormecer! há nelas uma grande divindade e jamais a velhice as poderá enfraquecer.

o orgulho gera a tirania; o orgulho, cometidas loucamente mil ações insensatas e más, chega aos cimos mais altos e cai depois no fundo dos destinos donde lhe é impossível escapar-me. já que o futuro da cidade depende deste combate, rogo aos deuses que o não deixem por decidir. jamais deixarei de ter o deus por protetor.

se algum homem manifesta a sua insolência por palavras ou ações, se não venera a justiça, nem os templos dos deuses, oxalá a má sorte o castigue pelos seus prazeres iníquos, se não pretende só ganhos honestos, se não se abstém dos atos ímpios, se, na sua loucura, põe as mãos no que não deve
28
tocar!
quem se poderia orgulhar de afastar do seu espírito as flechas de coléra?
se se honrassem tais ações, de que nos serviria tomar parte em coros sagrados?

já não irei venerar o centro sagrado da terra nem o templo de abas, nem o de olímpia, se estes oráculos não forem manifestos a todos. mas, ó zeus, senhor nosso, se tu és o verdadeiro chefe de tudo, que nada se esconda do teu poder imortal! desprezam-se os oráculos que se referem a laio; apolo ficará sem as honras esplendorosas e o culto dos deuses desaparecerá para sempre.
(reaparece jocasta, acompanhada de algumas escravas.)
jocasta

tive eu, senhores desta terra, a idéia de ir aos templos dos deuses, levando na mão este incenso e estas fitas sagradas, porque Édipo tem o espírito perturbado por inúmeras inquietações e não aprecia, como o deve fazer uma pessoa razoável, os oráculos recentes segundo os oráculos passados; só acredita naquele que lhe anuncia catástrofes. já que o não consigo tranqüilizar, a ti venho, apolo lício, com estas ofertas, como suplicante, a ti que estás mais perto do nosso palácio, para que tudo isto termine em bem, porque todos nos sentimos sem vontade ao ver cheio de terror o que governa o leme do navio.
(surge um mensageiro.)
o mensageiro
dizei-me, ó estrangeiros, onde é a morada de Édipo.
dizei-me mesmo onde ele está, se acaso o sabeis.
o coro
É este o palácio e aí o encontrarás. essa mulher é a mãe de seus filhos.
o mensageiro
que sejas feliz e te vejas sempre rodeada de gente feliz, ó venerável
esposa de Édipo.
jocasta
que sejas feliz também, ó estrangeiro! bem o mereces pela bondade das
tuas palavras. dize por que razão vistes e que notícias trazes.
o mensageiro
notícias felizes para o teu lar e para teu esposo, mulher.
jocasta
quais são elas? quem te mandou a nós?
29
o mensageiro
chego de corinto e penso que te será agradável aquilo que vou te dizer.
ou talvez não, talvez fique triste.
jocasta
que notícia é esta? como pode ela ter dois efeitos?
o mensageiro
diz-se que os habitantes do istmo vão escolher Édipo para seu rei.
jocasta
isso é verdade? o velho políbio já não governa?
o mensageiro
certamente que não. a morte encerrou-o no túmulo.
jocasta
que me dizes tu, velho? políbio morreu?
o mensageiro
morto seja eu mesmo, se não é verdade.
jocasta

mulher, entra já no palácio e dá imediatamente esta nova ao teu senhor. Ó oráculos dos deuses, onde estais vós? Édipo receava matar esse homem, fugiu por isso da sua pátria e eis que o destino o levou sem intervenção de Édipo.Édipo (regressando à cena.)
querida jocasta, por que razão mandaste chamar-me ao palácio?
jocasta
para ouvires este homem e para veres depois no que deram os oráculos
verídicos do deus.
Édipo
que homem? que me quer ele dizer?
jocasta
vem de corinto para te anunciar que teu pai, políbio, já não vive, que teu
pai morreu.
Édipo
30
que dizes, estrangeiro? explica-me tu mesmo o que há.
o mensageiro
já que é preciso falar com a máxima clareza, fica sabendo que políbio
morreu.
Édipo
por assassínio ou por doença?
o mensageiro
basta um breve momento para adormecer na morte os corpos dos
velhos.
Édipo
o infeliz morreu então de doença?
o mensageiro
sem dúvida, e depois de uma vida bem longa.
Édipo

ah!, mulher! para que nos havemos de inquietar agora com os altares fatídicos de delfos, com os gritos das aves pelo espaço, com tudo o que me profetizava que eu mataria meu pai? ei-lo morto, ei-lo enterrado, sem que eu, aqui presente, lhe tenha tocado com a espada. a menos que tenha morrido com saudades minhas, porque então ainda me poderiam acusar de o ter matado.
ah! políbio passou a outro mundo e levou consigo todos os oráculos
falsos.jocasta
não o tinha eu já dito há tanto tempo?
Édipo
disseste, de fato, mas eu estava perturbado pelo medo.
jocasta
não te preocupes mais com isto.
Édipo
também não devo recear o leito nupcial de minha mãe?
jocasta
que pode temer o homem quando o destino tudo governa e toda a
previsão é incerta?
o melhor que há a fazer é viver ao acaso. não temas casar com tua mãe;
31
já muitos homens têm sonhado que casavam com as mães; mas continua
sossegado aquele que sabe que os sonhos nada são.
Édipo
bem de aceitar seriam as tuas palavras se minha mãe não fosse ainda
viva; é inútil falares com sensatez; nada atalhará os meus receios.
jocasta
a morte de teu pai é uma grande consolação.
Édipo
grande, decerto; mas minha mãe está viva; tenho medo.
o mensageiro
que mulher é essa que te inquieta?
Édipo
mérope, casada com políbio.
o mensageiro
e que há nela que te atemorize?
Édipo
um oráculo divino terrível, ó estrangeiro.
o mensageiro
pode-se dizer? ou é proibido conhecê-lo?
Édipo
escuta. lóxias disse-me outrora que dormiria com minha própria mãe e
que derramaria com minhas próprias mãos o sangue de meu pai.
eis a razão por que morei muito tempo longe de corinto; e ainda bem,
apesar de que me teria sido bem agradável tornar a ver meu país.
o mensageiro
foi então com medo disso que te exilaste?
Édipo
não queria ser o assassino de meu pai, ó velho.
o mensageiro
então vou libertar-te desse terror, porque foi um espírito de
benevolência que aqui me trouxe.
32
Édipo
e hei de dar-te a recompensa merecida.
o mensageiro
vim sobretudo para que, ao voltares ao teu palácio, me desses essa
recompensa.
Édipo
nunca morarei na casa de meus pais!
o mensageiro
Ó meu filho, é evidente que não sabes o que fazes...
Édipo
que dizes, velho? pelos deuses!, esclarece-me!
o mensageiro
... se foges do palácio por causa de teus pais.
Édipo
receio que febo tenha sido verdadeiro no que me respeita.
o mensageiro
temes alguma impiedade por causa de teus pais?
Édipo
É isso mesmo o que não deixa de aterrorizar-me.
o mensageiro
não sabes que não há nenhum motivo de receio?
Édipo
porquê? se sou filho dele...
o mensageiro
porque políbio não te era nada.
Édipo
não foi políbio quem me gerou?
o mensageiro
tanto como eu. nada mais.
Édipo
33
como seria, aquele que me gerou, tanto como quem nada tem comigo?
o mensageiro
nem eu nem ele te geramos.
edipo
por que me tratava ele então como filho?
o mensageiro
vais já sabê-lo: das minhas próprias mãos te recebeu.
Édipo
e gostou tanto de quem tinha recebido de mãos estranhas?
o mensageiro
gostou, porque não tinha filhos.
Édipo
e compraste-me para me dar ou encontraste-me por acaso?
o mensageiro
encontrei-te nos desfiladeiros do citero, entre as árvores.
Édipo
que fazias tu por lá?
o mensageiro
guardava os rebanhos que andavam pelos montes.
Édipo
eras um pastor, um criado, e vivias como um vagabundo?
o mensageiro
foi nesse tempo que te salvei, senhor.
Édipo
e de que mal sofria eu para tu me socorreres?
o mensageiro
pergunta-o a teus pés.
Édipo
Ó deuses! por que me falas dessa tristeza?!
34
o mensageiro
desatei-te os pés.
Édipo
tenho efetivamente esses sinais desde pequeno, o que pouco me apraz.
o mensageiro
É por isso que te deram o nome que tens.
Édipo
pelos deuses! dize-me se foi por ordem do meu pai ou da minha mãe.
o mensageiro
não sei. deve sabê-lo melhor aquele que te deu a mim.
Édipo
recebeste-me então doutro? não me encontraste tu próprio?
o mensageiro
não te encontrei; foi um outro pastor que a mim te deu.
Édipo
que é ele? podes nomear-mo?
o mensageiro
dizia-se servo de laio.
Édipo
daquele que outrora foi rei desta terra?
o mensageiro
exatamente. era pastor desse rei.
Édipo
ainda vive? poderei vê-lo?
o mensageiro
vós que habitais esta região deveis sabê-lo melhor do que eu.
Édipo
há algum dentre vós aqui presentes que conheça o passado de que ele
fala, na cidade ou no campo?
respondei, porque chegou a hora de se aclarar tudo isto.
35
o coro
julgo que será o mesmo camponês que tu desejavas ver; mas é jocasta
que o poderá dizer melhor que todos.
Édipo
mulher, parece-te que o homem a quem demos ordem de vir aqui seja o
mesmo a que este se refere?
jocasta
de quem falou ele? não te inquietes, não te lembres de suas vãs palavras.
Édipo
É impossível que, com tais indícios, eu não esclareça a minha origem.
jocasta
pelos deuses! se te importas com a vida não procures mais. basta que eu
sofra.
Édipo
coragem! não ficarias em má situação mesmo que se descobrisse que
tenho sobre mim três gerações de escravos.
jocasta
mas escuta-me, Édipo: não o faças.
Édipo
não consentirei em abandonar a minha busca.
jocasta
É a boa vontade que me leva a aconselhar-te melhor.
Édipo
já há muito tempo me desagradavam esses excelentes conselhos.
jocasta
Ó desgraçado! oxalá nunca saibas quem és!
Édipo
ninguém me traz então esse pastor? deixam-na gloriar-se da sua origem.
jocasta
Ó infeliz! É o único nome que te posso dar. e de agora por diante nada
mais ouvirás de mim.
36
(retira-se.)
o coro
Ó Édipo, por que se retira ele, cheia de uma dor terrível? receio que
grandes males venham deste silêncio.
Édipo

venha o que vier, quero conhecer a minha origem, por mais obscura que seja. É mulher, portanto orgulhosa, e tem talvez vergonha da vulgaridade de maus pais. mas eu sou o filho ditoso do destino e não tenho medo de tal desonra. a sorte é minha mãe e o desenrolar dos meses de humilde me fez grande. com tal princípio, que me importa agora o resto? por que não hei de saber donde venho?
o coro

se bem adivinho e se prevejo segundo os meus desejos, juro pelo olimpo, ó citero, que entro de outra lua cheia te havemos de venerar como ao pai e criador e patrício de Édipo e te havemos de celebrar em coros por teres trazido a prosperidade aos nossos reis! febo, que afastas o mal, oxalá se realize este meu desejo!

Ó meu filho, que deusa te gerou, unindo-se a pã, vagabundos pelos montes, ou a lóxias, que adora os cumes arbonizados? foi o rei e cilene ou o deus baco que te recebeu de alguma das ninfas do hélicon, companheiras de seus jogos?
(aparece um velho pastor, servo de laio, a quem jocasta mandara
chamar.)
Édipo

se eu posso, ó velho, reconhecer um homem com quem nunca vivi, parece-me ver naquele pastor de que estamos à espera há tanto tempo. a sua velhice lembra a idade desse homem e reconheço como meus servos aqueles que o trazem; mas tu, que já viste esse pastor, farás juízo mais seguro.
o coro
não tenhas dúvidas; é ele; bem o reconheço. pertencia a laio e era o
pastor mais fiel que ele tinha.
Édipo
responde tu primeiro, coríntio. É este o homem de que falaste?
o mensageiro
É esse mesmo.
37
Édipo
velho, olha bem para mim e responde ao que te perguntar. eras o servo
de laio?
o servo
era seu escravo; não me comprou, nasci no palácio.
Édipo
qual era o teu trabalho? que fazias tu nesse tempo?
o servo
passei a maior parte da minha vida a apascentar os rebanhos.
Édipo
por que sítios andavas mais?
o servo
pelo citero e cercanias.
Édipo
lembras-te de ter conhecido este homem?
o servo
quem era ele? de que homem falas?
Édipo
deste aqui. nunca o encontraste?
o servo
pelo menos não o vi o bastante para me lembrar.
o mensageiro

É natural, senhor; mas vou reavivar-lhe na memória o que dela se apagou; tenho a certeza de que se deve lembrar de que andávamos os dois pelo citero, eu com um só rebanho, ele com dois, durante três meses completos, desde a primavera, ao aparecimento de arcturo, no inverno, levava eu os rebanhos para os redis que me pertenciam, ele conduzia os seus para os de laio. É verdade o que digo ou não?
o servo
o que dizes é verdade; mas foi já há muito tempo.
o mensageiro
vamos, fala; lembras-te de me ter dado um menino para eu criar como
38
se fosse meu?
o servo
que há? por que me interrogas assim?
o mensageiro
eis aqui, amigo, o menino desse tempo.
o servo
que desgraça vais provocar! vê se te calas!
Édipo
não censures este homem, velho! são as tuas palavras, não as dele, que
merecem repreensão.
o servo
em que errei eu, senhor?
Édipo
em não dizeres nada do menino de que ele fala.
o servo
fala às cegas e é inútil tanta preocupação.
Édipo
pois falarás a bem ou a mal.
o servo
pelos deuses te rogo, senhor! não batas num velho!
Édipo
atem-lhe já as mãos atrás das costas!
o servo
ai de mim! que desgraçado sou! e porquê? que queres tu saber?
Édipo
deste-lhe essa criança a que se refere?
o servo
dei-lha, verdade. oxalá os deuses me tivessem matado nesse dia!
Édipo
É o que te vai acontecer, se não disseres as verdade.
39
o servo
mais cedo morrerei se falar.
Édipo
parece-me que este homem só procura ganhar tempo.
o servo
não, senhor. já disse que lha tinha dado.
Édipo
onde a foste buscar? era tua ou de outrem?
o servo
não era minha; tinha-a recebido de alguém.
Édipo
de que cidadão? de que casa?
o servo
pelos deuses, senhor! não perguntes mais?
Édipo
se tenho de repetir a pergunta, mato-te.
o servo
pois bem! era um menino do palácio de laio.
Édipo
era um escravo ou mesmo da família de laio?
o sevo
Ó deuses! É a coisa mais horrível para mim!
Édipo
e para mim também. mas tenho de ouvi-la.
o servo
dizia-se que era filho de laio. mas tua mulher que está no palácio poderá
explicar-te muito melhor como tudo se passou.
Édipo
foi ela própria quem te entregou a criança?
40
o servo
foi ela, ó rei.
Édipo
com que intenção?
o servo
para eu a matar.
Édipo
ela! a mãe! Ó desgraçada!
o servo
temia oráculos terríveis!
Édipo
que oráculos?
o servo
estava predestinado que mataria seus pais.
Édipo
por que a deste a este velho?
o servo

tive pena, senhor. julguei que levaria a criança para terras estranhas: mas salvou-a para grandes desgraças. se tu és o mesmo, fica sabendo que és bem infeliz.
Édipo

ai de mim! ai de mim! tudo é claro agora! Ó luz do dia, vejo-te pela última vez, eu que nasci de quem não devia nascer, e me casei com quem não devia casar-me e matei quem não devia matar!
(reentra no palácio.)
o coro

Ó geração dos mortais, a vossa vida nada é a meus olhos. a maior felicidade para um homem é a de parecer feliz e de logo morrer. vejo o teu destino, a tua sorte, infeliz Édipo, e afirmo que nada há de ditoso para os mortais.

levaste o teu desejo além de tudo e couberam-te esplêndidas riquezas. dominaste a profetisa, a virgem das garras recurvadas, e foste, por zeus, muralha da pátria, a defesa dos cidadãos contra a morte; fizeram-te rei,
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revestiram-te de altíssimas honrarias e és o chefe da grande tebas.

e agora, se bem compreendemos, quem é mais desgraçado do que tu? a quem lançaram as mudanças da vida em desastres mais terríveis? Ó Édipo ilustre, a quem bastou uma só mulher para seres filho e marido, como pôde as esposa de teu pai suportar-te em silêncio durante tanto tempo?

mas esse mesmo tempo, que tudo vê, tudo te revelou contra vontade tua, e condena as núpcias abomináveis que te fizeram pai e filho. Ó filho de laio, oxalá nunca te tivesse visto, porque bem te lamento. mas a verdade, sempre a direi: foi por ti que respirei, foi por ti que pude adormecer.
o arauto (vindo do palácio.)

Ó vós que sois os homens mais honrados desta terra, que ação ides saber e ver, que lamentos soltareis, se, como é natural em pessoas da mesma raça, ainda vos interessais pela casa dos labdácidas! creio, com efeito, que nem o istro nem o fásis poderiam lavar as inexpiáveis impurezas que o palácio esconde e as que por si próprias se revelarão à luz.
os males mais terríveis são aqueles que cada um faz a si próprio.
o coro
já são bem duros os que nós conhecemos. que mais nos anunciais?
o arauto
tudo vos direi em brevíssimas palavras: jocasta morreu.
o coro
oh!, desgraçada! e qual foi a causa da morte?
o arauto

ela mesma. ignorais, porque não o vistes, o que nisto há de mais horrível; mas vou dizer-vos tudo o que me lembrar do seu infeliz destino. mal penetrou no vestíbulo, cheia de desespero, foi direita ao quarto nupcial, arrancando os cabelos com as mãos; depois de entrar, fechou violentamente as portas por dentro e invocou laio, morto há muito, e a recordação do casamento de que saiu este filho que devia matar seu pai e ter filhos de sua mãe, em vergonhosas núpcias. chorou sobre o leito em que, duplamente infeliz, teve um marido dum marido e filhos dum filho. depois, não sei como morreu; sei apenas que Édipo se precipitou gritando e que não pude ver o fim de jocasta, porque olhava para ele que corria de um lado para o outro. ia e vinha, a clamar por uma espada, a procurar a mulher que não era sua mulher, mas sua mãe e mãe dos seus filhos. algum dos deuses lhe alumiou a loucura, porque nenhum de nós o fez; com gritos medonhos, e como se lhe tivessem mostrado o caminho, atirou-se de encontro ‘as portas, arrancou os batentes dos gonzos e lançou-se no quarto, onde vimos sua mulher suspensa da corda que a estrangulava. ao vê-la assim, o desgraçado estremeceu de horror e desprendeu
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a corda; a infeliz caiu. então, passou-se uma coisa terrível: arrancou o alfinete de ouro do vestido de jocasta e furou os olhos, dizendo que não mais veriam os que ele não devia ver, nem reconheceriam os que ele ainda queria ver; no meio das imprecações, feria uma e outra vez os olhos, em sangue, escorriam- lhe pelas faces; não saíam deles apenas gotas de sangue: era um derrame escuro, era sangue em torrentes. a desgraça não caiu só sobre um dos esposos; os dois iniram seus males. tiveram, de fato, uma felicidade verdadeira, em outros tempos; hoje, porém, nada falta em desventura, lamentos e desastres, mortes e desonras.
o coro
e que faz agora o infeliz no meio de suas desgraças?
o arauto

grita que lhe abram as portas e mostrem a todos os cadmeios o assassino de seu próprio pai, aquele cuja mãe... não, não posso repetir as palavras ímpias. quer que o expulsem da terra; recusa-se a ficar por mais tempo neste palácio, manchado pelas imprecações de que se cobriu. mas falta-lhe um amparo e um guia, porque é enorme a violência da sua dor e não pode suportá- la. tudo verás dentro em pouco; abrem-se os batentes das portas e vais assistir a um espetáculo que excitaria até a piedade de um inimigo.
(Édipo reaparece com o rosto ensanguentado e as órbitas dos olhos
vazias.)
o coro

oh!, que desgraça medonha para os homens! a mais terrível de todas as que tenho visto! que loucura foi essa, desgraçado? que deus te tornou pior ainda, com tais males, a sorte a que um mau destino condena? embora deseje interrogar-te sobre muitas coisas, não posso olhar-te, não posso ver-te, não posso ouvir-te, tal é o horror que me fazes!
Édipo
ai de mim! ai de mim! como sou desgraçado. para onde vou eu? para
onde vai a minha voz? Ó deuses, onde me lançastes?
o coro
numa infelicidade horrível que não se pode ouvir nem ver.
Édipo
Ó trevas execráveis da noite que sobre mim caístes, lamentáveis,
invencíveis, sem remédio!
ai de mim! ai de mim! ao mesmo tempo me despedaçam as dores dos
meus olhos e a lembrança dos meus crimes!
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o coro
não é decerto de admirar que, sob tanta desgraça, sintas duplas dores e
te esmague um duplo peso.
Édipo
Ó meu amigo! ainda me serves fielmente! ainda cuidas do pobre cego!
ai! ai! sei que estás aí! envolvem-me as trevas, mas reconheço a tua voz!
o coro
a violência te entregaste! como ousaste arrancar os olhos! que deus te
impeliu?
Édipo

foi apolo, foi apolo, meus amigos, quem me inflingiu estas desgraças, todas estas desgraças; mas ninguém me feriu, a não ser eu. que me importava ver, se nada me era agradável à vista?
o coro
É bem verdade o que dizes.
Édipo

ah!, meus amigos! que me ficou para ver e amar? teria algum prazer em falar com laguém? levai-me já para longe daqui! levai, amigos, este criminoso, este homem votado a todas as execrações, este mortal que é de todos os mortais o que maior horror faz aos deuses!
o coro
Ó infeliz, infeliz pela desgraça e pelo pensamento da desgraça, oxalá
nunca te tivesse conhecido!
Édipo

maldito seja o que me desatou os pés cruelmente amarrados e me salvou da morte! em nada te estou grato; se tivesse morrido nessa altura, não teria provocado tais dores, aos meus amigos e a mim!
o coro
melhor seria na verdade.
Édipo

não teria vindo a ser assassino de meu pai; não diriam de mim que fui o marido da que me deu a vida. ah!, ímpio, filho de ímpios!, ah!, miserável!, que dormiste com quem te concebeu! e se há alguma desgraça mais terrível do que esta, Édipo a sofreu!
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o coro
não posso louvar a tua resolução; mais valeria para ti não viver do que
ser cego.
Édipo

não tentes provar-me que não procedi bem, não me dês mais conselhos. não sei com que olhos poderia contemplar, depois de descer ao hades, meu pai e minha desgraçada mãe, contra quem cometi abomináveis crimes, daqueles que a morte não expia. e que gosto teria eu em ver meus filhos que nasceram de igual modo? não, não, nunca mais. nem ver a cidade, as muralhas e as imagens sagradas dos deuses, de que eu próprio me privei, desgraçado de mim!, quando, em toda a minha glória, ordenei que se expulsasse o ímpio, da família de laio e odioso aos deuses! poderia olhá-los tranqüilo depois de patentear uma tal impureza? ah!, decerto que não. e pudera eu cerrar os ouvidos, que não tardaria fazê-lo! era o corpo inteiro que eu queria fechar, tornando-me surdo e cego ao mesmo tempo; como é bom nada sentir de seus males! Ó citero, por que me escolheste tu? por que não me mataste logo, para eu não revelar aos homens quem eram os meus pais? Ó políbio! Ó corinto! Ó velho palácio, ó palácio que dizem de meus pais!, como me criaste, cheio de dores sob a aparência da beleza! agora não sou mais que um criminoso, gerado por criminosos. Ó encruzilhada, ó vale sombrio, ó bosques de carvalhos, ó estreito passo a que vão dar as estradas!, ainda vos lembrais de mim, e do crime cometido? Ó núpcias, núpcias! vós me destes o ser, depois me unistes a minha mãe e trouxeste à luz do dia pais, irmão e filhos, uma noiva esposa e mãe, as máculas mais vergonhosas que existem entre os homens!

mas visto que não é lícito falar dos feitos de ignomínia, pelos deuses vos rofo que me escondais em qualquer sítio da cidade, ou nos montes, ou me lanceis ao mar, onde não mais me possais ver. vinde! não desdenheis aproximar-vos de um desgraçado! acedei! nada temais! nenhum mortal, a não ser eu, poderia suportar tais horrores!
(surge creonte.)
o coro
eis aí creonte que vem autorizar o que pedes e aconselhar-te. só ele pode
ser, depois de ti, o protetor da terra.
Édipo
ai de mim! que palavras lhe hei de dirigir? que confiança posso ter
naquele que insultei há pouco ainda?
creonte
não venho junto de ti, Édipo, nem para te escarnecer, nem para censurar
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os crimes antigos. mas, se não respeitamos a raça dos homens, respeitamos ao menos o fogo de hélio que tudo alimenta, e não revelemos as impiedades que não suportam nem a terra, nem a chuva sagrada, nem a própria luz. levem-no já para o palácio. É bom e justo que só os parentes ouçam e vejam os males dos parentes.
Édipo

ah!, pelos deuses! já que foste diferente do que eu esperava e te aproximaste, tu, o homem honestíssimo, do mais miserável dos homens, ouve o que tenho a dizer-te; por ti falo, não por mim.
creonte
que queres tu que eu faça?
Édipo
que me lances imediatamente fora da terra, num lugar em que não possa
falar a nenhum dos mortais.
creonte
fique sabendo que o já teria feito, se não quisesse primeiro perguntar ao
deus como devo proceder.
Édipo
as suas palavras são claras para todos: devem matar-me, a mim,
parricida e ímpio.
creonte
tais são as palavras, sem dúvida; no entanto, dado o que se passou, acho
melhor que se pergunte o que há a fazer.
Édipo
vais interrogá-lo a meu respeito, a respeito deste infeliz?
creonte
certamente; e agora terás de acreditar no oráculo.
Édipo

suplico-te! suplico-te que mandes enterrar como quiseres essa mulher que está lá dentro, no palácio; todos te louvarão por teres cumprido este dever com os teus. quanto a mim, não deve a cidade de meus pais guardar-me vivo. deixa-me ir viver nas montanhas, no citero, minha única terra naquela em que meu pai e minha mãe me tinham destinado a cova; hei de morrer como eles queriam que morresse. só sei ao certo que não morrerei de doença, nem de maneira vulgar; se agora me livro de morrer, é porque devo acabar alguma
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terrível desgraça. será o meu destino o que tiver de ser. não te preocupes com meus filhos, creonte; já são homens; nunca lhes faltará de comer onde estiverem. mas peço-te que cuides de minhas pobres filhas, de minhas desgraçadas filhas que nunca estiveram longe da minha mesa e nela sempre tiveram a sua parte. rogo-te que as não abandones e sobretudo te suplico que permitas que eu as toque com minhas mãos e que juntos deploremos a nossa desgraça. senhor, rei generoso, consente no que peço! se lhes tocar com as mãos, hei de julgar que ainda as tenho como quando via. mas que é isto? pelos deuses! não são minhas queridas filhas a chorar? teria creonte tido piedade de mim e ter-mas-ia enviando? É verdade?
creonte
É verdade. eu mesmo as trouxe, quando soube que desejavas essa
grande alegria.
(entraram as duas filhas de Édipo, antígona e ismene.)
Édipo

oxalá tenha todas as venturas! oxalá um deus te proteja melhor do que a mim! Ó minhas filhas, onde estais? vinde aqui, segurai-me nas mãos, nestas mãos de irmão que fizeram dos olhos brilhantes de vosso pai o que vedes agora! o vosso pai, filhas, que, sem ver nem saber, fecundou o ventre que o gerara. por vós choro, sem vos ver, ao pensar na vida cruel que daqui por diante ides ter entre os homens. a que reuniões de cidadãos haveis vós de ir? a que festas? voltareis para casa chorando, sem nenhum gosto do que vistes... e quando chegardes à idade de casar, quem ousará arrostar com as ignomínias que cobrirão de vergonha meus pais e os vossos? que desgraça me foi poupada? vosso pai matou o pai, juntou-se à mãe que o concebera e fez-vos nascer donde nasceu! eis o que vos hão de lançar em rosto. quem casará convosco? ninguém, minhas filhas; morrereis virgens e estéreis. Ó filho de meneceu, tu que és o único que lhes poderá servir de pai, depois que morreu quem as gerou, e morri eu também, não deixes que venham a mendigar, vagabundas, sem família, sem esposos e sem filhos! não lhes dês uma desgraça igual a minha; tem piedade de raparigas tão novas que não tem outro amparo senão o teu! promete-me, senhor generoso, e dá-me a tua mão em penhor da promessa. quanto a vós, minhas filhas, dar-vos-ia numerosos conselhos, se pudésseis compreender-me; assim, só farei o voto de que, seja qual for o ponto onde viverdes, gozeis de um destino mais propício do que aquele que te deve o pai que vos gerou.
creonte
basta de lágrimas. entra no palácio.
Édipo
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ainda que me custe, é preciso obedecer.
creonte
É bom tudo o que se faz no tempo devido.
Édipo
sabes com que condição?
creonte
dize-ma, para a ficar sabendo.
Édipo
com a de me mandares para longe desta terra.
creonte
o que tu pedes depende do deus.
Édipo
os deuses detestam-me.
creonte
por isso mesmo conseguirás o que suplicas.
Édipo
É verdade?
creonte
não gosto de dizer o que não penso.
Édipo
leva-me então daqui.
creonte
vem e deixa as tuas filhas.
Édipo
suplico-te que mas não tires!
creonte
não queiras possuir tudo; o que tiveste não te deu vida feliz.
(creonte, Édipo e as filhas reentram no palácio.)
o coro
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vede vós, ó habitantes de tebas, minha pátria! que tempestades de terríveis desgraças derrubou Édipo que adivinhou o enigma célebre, o homem poderosíssimo que nunca invejou os cidadãos, nem tinha receio da sorte! enquanto se espera o dia último, ninguém deve dizer que um mortal foi feliz, antes que ele tenha, sem sofrimento, atingido o termo da existência.
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