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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ariano Suassuna

ARIANO SUASSUNA: O criativo e polêmico mestre das Letras no Nordeste.

"Eu vi a Morte, a moça Caetana,/ com o manto negro, rubro e amarelo./ Vi o inocente olhar, puro e perverso,/ e os dentes de Coral da desumana// Eu vi o Estrago , o bote, o ardor cruel(...) Ela virá, a Mulher aflando as asas,/ com os dentes de cristal , feitos de brasas (...) só assim verei a coroa da Chama e Deus, meu Rei, / assentado em seu trono do Sertão".

Ariano Suassuna (Sonetos: "A Moça Caetana" e "A Morte")

Uma análise da obra teatral de Ariano Suassuna nos faz mergulhar nas nossas origens culturais. Num recuo positivo em direção às sucessivas fontes que nos fizeram quem somos hoje: misto de regional e universal.

Os primeiros colonizadores trouxeram para cá a cultura européia, transmitida oralmente. Assimilada pelos nordestinos, desenvolveram-se as influências ibéricas e mediterrâneas.

Uma das influências que Ariano sofreu foi a dos escritores Gil Vicente, português, e do espanhol Calderón, ambos homens de teatro na época das grandes descobertas. Suassuna pratica o entrecruzamento de textos, adaptando várias obras populares (do cordel ao teatro europeu) ao seu modo. Conserva a língua popular, mas, com grafia e correção gramatical eruditas. Prepara o espectador para uma moral conforme o cristianismo. É muito comum em suas peças a cena de um "juízo final"(juiz-acusador-defensor-réu).

Além de usar textos alheios, recriando-os, Ariano pratica a intertextualidade , refazendo cenas de suas peças(exemplo: "O auto da Compadecida") e enxertando-os em outras (em "A pena e a lei").

Suas fontes vão de Shakespeare até a Bíblia. A intertextualidade ( "comunicação entre textos") era prática comum desde a Idade Média. Ariano a mantém, utilizando o cordel, o bumba-meu-boi, o mamulengo e também mistura o popular ao erudito(Cervantes, Moliére), fazendo tudo às claras, muito bem explicado em prefácios , palestras e aulas.

PEÇAS PRINCIPAIS:

O AUTO DA COMPADECIDA(1955): Como sabemos, um "AUTO" é o teatro medieval de alegorias(pecado, virtude, etc.) . Personagens como santos, demônios. É um teatro de construção simples ,ingenuidade na linguagem, caracterização exacerbada e intenção moralizante, podendo conter o cômico. Para escrever esta peça, Suassuna baseou-se em folhetos populares - primeiro e segundo atos baseiam-se em, respectivamente, " O Enterro do Cachorro" e "A História do Cavalo que defecava dinheiro ", textos de Leandro Gomes. O terceiro ato é uma mistura de "O castigo da sabedoria", de Anselmo Vieira e "A peleja da alma", de Silvino Pirauá Lima. A invocação de João Grilo à Maria e o nome "Compadecida" também são inspirados em textos populares. João Grilo é o herói picaresco, passou fome e mente para ganhar o que quer, seu amigo Chicó também é mentiroso. A infidelidade da mulher do padeiro, a mesquinhez deste, o anticlericalismo e o cangaço são analisados por Suassuna num julgamento presidido por Maria, Jesus (negro) e atiçado por uma figura diabólica. No final, João Grilo volta à vida depois de morto.

A FARSA DA BOA PREGUIÇA(1955): Escrita em versos livres, tem trechos cantados. Cita a Bíblia e Camões, poeta da Renascença portuguesa. Cada ato tem uma certa independência um do outro ("O peru do cão coxo", "A cabra do cão caolho" e "O rico avarento"). A inspiração de Suassuna desta vez recai sobre a arte do mamulengo, teatro de bonecos do Nordeste, com suas pancadarias e mestres, sua trama simples , como por exemplo, o patrão sempre é culpado. A história do diabo que quer levar uma mulher e um homem para o inferno. A exploração do homem pelo homem. A falta de caridade , a preguiça, a prova imposta à mulher, a vitória, seres celestiais disfarçados de pedintes e seres infernais oferecendo o pecado são temas que mais uma vez nos remetem à referida simplicidade medieval que apontamos no início deste estudo.

O CASAMENTO SUSPEITOSO(1957) : É uma comédia de costumes. Trata do tema casamento por dinheiro. A ação se passa na casa da matriarca de uma família, dona Guida. Travestimentos, cenas de pancadaria e sátira aos membros da igreja e da justiça compõem esta peça. Cancão (figura tomada emprestada do bumba-meu-boi) é o empregado esperto e também faz lembrar alguns personagens das comédias de Molière (autor de comédias, francês).

O SANTO E A PORCA(1957), o casamento da filha de um avarento. O "santo " em questão é Santo Antônio e a "porca" é um cofrinho, símbolo do acúmulo de dinheiro (tão protetor quanto o santo).

A PENA E A LEI(1959) : Aqui Suassuna reaproveitou cenas de seus textos "Torturas de um Coração" e da "Compadecida", numa encenação que vai do boneco irresponsável ao ser humano pleno diante de Deus (Benedito, Mateus, Cheiroso e Cheirosa intensificam o cômico). A peça diverte mas também analisa as questões sociais: trabalho na usina, reivindicações dos trabalhadores, companhias estrangeiras, fome, prostituição em cenas curtas e de muita movimentação. A preocupação com a moral está sempre presente e o trágico é diluído pelo cômico . São personagens estereotipados . Suassuna também se utiliza das cantorias nordestinas.

RESUMINDO: a comédia da antigüidade, o teatro religioso, a arte popular do Nordeste e seus folguedos são as salutares influências deste mestre das letras que é o paraibano Ariano Suassuna, Ex-aluno do Colégio Americano Batista do Recife (dos 10 aos 15 anos, uma fase de sua vida que sempre recorda com saudade), professor de Filosofia, foi secretário de cultura do governo Arraes e que também é autor de três romances: "Fernando e Isaura" (sobre um amor impossível", ) , "Romance d´A pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e Volta" .(Ed. José Olympio. RJ. 1970), sobre um poeta que na década de 30 sonha em escrever um épico nordestino e acaba preso como comunista e "História d´O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao sol da onça Caetana", suas lembranças de infância e do pai, mescladas num sertão mítico.

Ariano é fundador do MOVIMENTO ARMORIAL , reafirmando no nordeste a influência ibérica, africana e indígena.

A musicalidade dos textos de Ariano é agreste. Sua poesia rebrilha à luz ardente do Nordeste.

"Não faço distinção entre a cultura popular e a erudita. A cultura brasileira, a cultura popular brasileira, não está ameaçada . Ela é resistente. Estão tentando matá-la, mas não conseguirão" , diz Ariano e nos convida ao deleite com pérolas do cancioneiro ibérico, a arquitetura africana, as cores da África, textos de José de Alencar, de Aluízio Azevedo. E é no Romanceiro popular que Ariano mais se inspira. Nas novelas de cavalaria, nos amores incríveis, nos heróis picarescos (zombeteiros) que permeiam as histórias que o povo conhece. Ele chega a usar um mesmo texto várias vezes como base para sua recriação. "A novela da Renascença é picaresca. O personagem principal é a Fome". Emigra para o Brasil o herói pícaro ibérico, o astucioso que difere do opressor que é o lado ruim . Ao comentar o Brasil antes de Cabral, Ariano reafirma nossa cultura milenar : "Existia teatro indígena antes da chegada dos jesuítas . É absurdo centralizar a origem do teatro. O teatro japonês não nasceu na Grécia. Tem outra origem. O teatro indígena é um teatro de máscaras e excelentes figurinos e enredos fascinantes que envolvem sua religiosidade. Eu queria que um cineasta brasileiro fizesse com este tipo de teatro brasileiro o que o cineasta japonês Kurosawa fez com o antigo teatro japonês, o teatro Nô e com o Kabuki . Injustiça social não é base para a arte popular. Ela também não é primitiva. Os violeiros vêem televisão, os artistas populares transformam as informações universais em linguagem com temática local. Temos que fortalecer nossa cultura". Para isso, Ariano usa seus conhecimentos de Filosofia, História e Literatura, trabalhando o belo de forma dialética, unindo-o ao cômico misturando o espírito intelectual com a esperança no homem, fundindo nossa herança barroca com um espírito neoclássico .

Análise do "Romance d´A Pedra do Reino" (1970) : Ariano recheia seu livro "Romance d´ A Pedra do Reino" com humor malicioso e exibe sua perícia na selva das palavras. Mistura nobres e pobres num processo criativo ímpar. Os colonizadores do Brasil aparecem como bravos que tiveram coragem de matar para estabelecer novos rumos. Ariano traz para a narrativa suas experiências com o teatro e a poesia, brinca com a metalinguagem, expõe os "mistérios" da criação. O tema central do romance são as artimanhas de Quaderna e a trágica história dos seus antepassados na cidade de São José do Belmonte, interior de Pernambuco. Ariano, através da narração em primeira pessoa (Quaderna), descreve paisagens e situações alucinantes, reinventa a cronologia, adapta fatos históricos à sua ficção ( a magia das grandes navegações, as cruzadas, os romances de cavalaria, as revoluções. Se Alencar foi exuberante mas não ousou exibir um herói picaresco, Ariano, com seu Regionalismo natural, busca as interseções entre o popular e o erudito, misturando a poética aristotélica com Romantismo e buscando o êxtase criativo num realismo que alguns intelectuais rotulam de mágico, fantástico. O encatatório, o mítico, o exótico vão delineando o espaço criativo que traça o painel do sonho de uma monarquia de esquerda , sonho que Ariano alimentou durante algum tempo. Obcecado em criar uma epopéia nordestina, o narrador torna- se cômico e o recurso Deus ex machina (sobrenatural) surge para resolver as inquietações da alma que perturbam a raça humana. Outro mito recorrente é o sebastianismo.

Podemos até arriscar em julgar o discurso de Ariano como um discurso maniqueísta que recusa a polifonia. Mestre na arte literária, ele criou um herói bufão numa espécie de circo fantasioso e hedonista em busca de um sentido , de dignidade, num emaranhado de "causos" alinhados por uma escrita competente que se utiliza do pictórico (xilogravuras) para reforçar seu discurso que, no fundo, transforma o interior de Pernambuco numa espécie de Camelot da caatinga, onde humor e malícia unem-se ao ingênuo, à lenda do cavaleiro que enfrenta as instituições (representadas no texto pelo Corregedor) e o imaginário supera o racional na reinvenção do passado histórico, através da alquimia verbal típica de Suassuna que rompe a linearidade, enxertando a todo instante várias tramas secundárias à narrativa central, numa colagem que redimensiona a obra em pequenos contos. O julgamento de Quaderna é a espinha dorsal do texto que vai buscar nos poetas populares (cordel e emboladores ) suas referências. Depois de trair seus amigos covardes, Quaderna busca a imortalidade através da Literatura , quer ser fidalgo. Quer louvar sua estirpe. Tenta reiventar Homero , a sua Odisséia é através do Atlântico nordestino e sua Ilíada tem como palco o sertão, ali está a Onça Caetana( a morte, a vida , o amor, a nacionalidade). Seres fantásticos pululam ao lado de personagens estilizados numa narrativa explosiva recheada de situações absurdas .
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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).

©2004 Moisés Neto. Todos os direitos reservados.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ficha suja

Quem já mentiu e roubou
De crime foi o mandante
Patrocinou assaltante
No mandato confiou
A justiça se calou
Por ordem dum influente
Que também é conivente
Com o crime organizado
Quem foi sujo no passado
Quer ser limpo no presente.

Fazer de bôbo o seu povo
É contra a democracia
Usar de demagogia
se candidatar de novo
Chega dizendo: eu promovo
melhoras rapidamente
saúde pra o indigente
casa para o favelado
quem foi sujo no passado
quer ser limpo no presente.

O povo está mais experto
Reivindicando o direito
Roubo não é mais aceito
Está sendo descoberto
Tem político muito experto
Que ludibria a gente
A lei nova é exigente
Pra quem der o passo errado
Quem foi sujo no passado
Que ser limpo no presente.

O erro terá perdão
Se houver arrependimento
Há no velho testamento
A saga do bom ladrão
Recebeu a salvação
Mesmo sem ser inocente
Ao ver a morte de frente
Se arrependeu do pecado
Quem foi sujo no passado
Quer ser limpo no presente.

Glosa de Pedro Fernandes,
Mote de José de Sousa Dantas.

sábado, 4 de setembro de 2010

Monologo (Da obra de Nelson Rodrigues a mulher sem pecado)

(Da obra de Nelson Rodrigues a mulher sem pecado)

monólogo

Quando um homem vê uma mulher na rua, beija essa mulher em pensamento, põe nua, viola. Isso tudo num segundo, numa fração de segundo sei lá!
Mas seja como for a imaginação do homem faz o diabo.

O banho de lídia é agora demorado como nunca... No banho. Eu sei, tenho certeza de que o próprio corpo a impressiona, ( noutro tom) O corpo nu, espantosamente nu (notro tom) ar de acariciar a própria nudez, e talvez, quem sabe. Gostasse de ser amante de se mesma... ( Ri com sofrimento) Porque a mulher bonita, linda, não pode ser amante de se mesma?
Uma namorada lésbica de se mesma! Seria uma solução. (noutro tom) Eu acabo assim como minha mãe, sem falar... Ela não sabe gemer... seria incapaz de um grito de um uivo... acabo assim.
Por mim, lídia nunca tirava a roupa. Nua no banheiro nunca. O fato dela mesma olhar o próprio corpo é imoral.
Só as cegas deveriam ficar nuas. A única coisa que me interessa, é ser ou não ser traído.
Como é obceno um rosto nu! ( riso soluçante) porque permitem o rosto nu?

Eu só quero uma coisa!
Há no mundo uma mulher fiel?... que esta mulher seja a minha e basta.

domingo, 22 de agosto de 2010

Eu não queria mas estou ficando triste.
fazendo coisas que não resisto fazer.
Estou amando muito loucamente.
Mas esse alguém que eu amo não é mais você.
Não sei porque que eu faço isso.
Estou me tornando triste para não te entristecer.
Será que um dia meu esforço vai valer apena?
Ou é melhor não deixa me entristecer!

Eu não queria mas estou ficando triste.
Não quero mas vou ter que escolher.
Será que você me entende... o que eu estou dizendo!
Será que você entende o que quero dizer?
Será que você me ajuda a entender?
Não deixe eu ficar triste.
Quem nasceu pra ser feliz não pode de tristeza morrer.
Mas eu não quero que você se sinta triste achando que a culpado foi você.
NORDESTE INDEPENDENTE
(Imagine o Brasil)

(Música: domínio público. Letra: Ivanildo Vila Nova e Braulio Tavares)

1
Já que existe no Sul este conceito
que o Nordeste é ruim, seco e ingrato,
já que existe a separação de fato
é preciso torná-la de direito.
Quando um dia qualquer isso fôr feito
todos dois vão lucrar imensamente
começando uma vida diferente
da que a gente até hoje tem vivido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

2
Dividindo a partir de Salvador
o Nordeste seria outro país:
vigoroso, leal, rico e feliz,
sem dever a ninguém no exterior.
Jangadeiro seria o senador
o cassaco de roça era o suplente
cantador de viola o presidente
e o vaqueiro era o líder do partido.
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

3
Em Recife o distrito industrial
o idioma ia ser "nordestinense"
a bandeira de renda cearense
"Asa Branca" era o hino nacional
o folheto era o símbolo oficial
a moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o Inconfidente
Lampião o herói inesquecido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

4
O Brasil ia ter de importar
do Nordeste algodão, cana, caju,
carnaúba, laranja, babaçu,
abacaxi e o sal de cozinhar.
O arroz e o agave do lugar
a cebola, o petróleo, o aguardente;
o Nordeste é auto-suficiente
nosso lucro seria garantido
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

5
Se isso aí se tornar realidade
e alguém do Brasil nos visitar
neste nosso país vai encontrar
confiança, respeito e amizade
tem o pão repartido na metade
tem o prato na mesa, a cama quente:
brasileiro será irmão da gente
venha cá, que será bem recebido...
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

6
Eu não quero com isso que vocês
imaginem que eu tento ser grosseiro
pois se lembrem que o povo brasileiro
é amigo do povo português.
Se um dia a separação se fêz
todos dois se respeitam no presente
se isso aí já deu certo antigamente
nesse exemplo concreto e conhecido,
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

As estrofes acima foram gravadas por Elba Ramalho em seu disco Do Jeito que a Gente Gosta (1984), uma faixa que apareceu depois em várias compilações. Esta canção era um número de palco no show Coração Brasileiro, estreado em 1983 no Canecão (Rio de Janeiro). As estrofes de 1 a 4 são de Ivanildo Vila Nova, as 5 e 6 são minhas. Abaixo, vão transcritas outras estrofes compostas por mim em torno do mesmo mote. Há outras estrofes que foram gravadas por Ivanildo Vila Nova em seu disco Nordeste Independente, feito em parceria com Severino Feitosa.

7
Todo ano no Rio de Janeiro
chegam levas e levas de migrantes
são milhares de braços retirantes
que fabricam montanhas de dinheiro.
Pois que o Rio prossiga em seu roteiro
e o Nordeste não seja um afluente
que conduz mil riquezas na torrente
e nem mesmo no mapa é conhecido;
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

8
Se São Paulo é a tal "lomocotiva"
que conduz estes mais de cem milhões,
então deixe pra trás estes vagões
que lhe tornam a carga cansativa.
Eles vão ter a iniciativa:
ser puxados por boi, cavalo e gente.
Talvez andem bastante lentamente
mas seu rumo é seguro e conhecido.
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

9
Se houver essa tal separação
através de um acordo ou de um tratado
o Brasil se verá desobrigado
de ampaar essa imensa região
e o Nordeste será uma nação
mais vistosa, mais rica e mais contente
sem ninguém que lhe humilhe e lhe sustente
sem um pai, um patrão ou um marido...
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

10
Vejo tanta mulher, homem, menino
quando a seca flagela seu Estado
vir pro Sul pra ficar desempregado
sem poder transformar o seu destino.
Fico triste se vejo um nordestino
que podia talvez ser meu parente
vir pra cá pra virar um indigente,
um ladrão, um maluco ou um bandido...
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

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História
Dois ilustres folcloristas brasileiros, Luis da Câmara Cascudo e Manuel Diéges Júnior, trouxeram, contribuição ao problema da origem da nossa literatura de cordel. Cascudo em vários ensaios e livros, sobretudo no seu "Vaqueiros e Cantadores" e "Cinco Livros do Povo", e Manuel Diéges Júnior especialmente no ensaio "Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel". Eles nos mostraram a vinculação dos folhetos de feira, a partir do século XVII, com as "folhas volantes" ou "folhas soltas", em Portugal, cuja venda era privilégio de cegos, conforme informava Téofilo Braga.
Na Espanha, o mesmo tipo de literatura popular era chamado de "pliegos suletos", denominação que passou também à América Latina, ao lado de "hojas" e "corridos". Tal denominação, como se sabe, é corrente na Argentina, México e Nicarágua, Peru. Segundo a folclorista argentina Olga Fenandéz Lautor de Botas, citada por Diéges Júnior, estas "hojas" ou "pliegos sueltos", divulgados atravésde "corridos', envolvem narrativas tradicionais e fatos circunstanciais - exatamente como a literatura de cordel brasileira.
Na França, o mesmo fenômeno correspondia à "littèratue de colportage" - literatura volante, mais dirigida ao meio rural, através do "occasionnels", enquanto nas cidades prevalecia o "canard".
Na Inglaterra - é informação de Jean Pierre Seguin, através de Roberto Benjamin -, folhetos semelhantes aos nossos eram correntes e denominados "cocks" ou "catchpennies", em relação aos romances e estórias imaginárias; e "broadsiddes", relativamente às folhas volantes sobre fatos históricos, que equivaliam aos nossos folhetos de motivações circunstanciais. Os chamados folhetos de época ou "acontecidos".
Num ensaio intitulado "Origens da Literatura de Cordel", nós alongamos as notícias dessas origens do folheto de cordel não só no século XVII, na Holanda, como aos séculos XV e XVI na Alemanha. Foi através do ensaio da pesquisadora Marion Ehrhardt, intitulado "Notícias Alemãs do Século XVI sobre Portugal", publicado na revista "Humboldt" (nº 14, Hamburgo, 1966), que chegamos a essa evidência. Examinando folhetos sobre assuntos portugueses do século XVI, que resistiram ao tempo, - através de enfoque exclusivamente histórico - Marion Ehrhardt nos fornece informações suficiente para cortejo entre velhos folhetos germânicos e a literatura de cordel.
Na Alemanha, os folhetos tinham formato tipográfico em quarto e oitavo de quatro e a dezesseis folhas. Editados em tipografias avulsas, destinavam-se ao grande público, sendo vendidos em mercados, feiras, tabernas, diante de igrejas e universidades. Suas capas (exatamente como ainda hoje, no Nordeste brasileiro), traziam xilogravuras, fixando aspectos do tema tratado. Embora a maioria dos folhetos germânicos fosse em prosa, outros apareciam em versos, inclusive indicação, no frontispício, para ser cantado com melodia conhecida na época.
Já a respeito dos panfletos holandeses, tivemos as primeiras notícias através do prof. José Antônio Gonçalves de Mello, nossa maior autoridade em história do domínio holandês no Nordeste brasileiro. Ele examinou panfletos ("pamflet", em holandês) do século XVII, concluindo sobre o seu contudo: "Os temas tratados, pelo menos em relação ao Brasil, que são os que unicamente conheço, são políticos, econômicos, militares, quando não são terrivelmente pessoais. Um relativo à Guiana então holandesa, relata um crime, no qualestão envolvidos personagens que vieram em Pernambuco. Há-os em versos, mais a maioria em prosa, sendo freqüente a forma de diálogos ou em conversas entre várias pessoas. Uns só de uma folha; a maioria contém entre 10 a 20 páginas, em tipo gótico".
Tudo isso mostra à evidência que, embora tenhamos recebido a nossa literatura de cordel via Portugal e Espanha, as fontes mais remotas dessa manifestação estão bem mais recuadas no tempo e no espaço. Elas estão na Alemanha, nos séculos XV e XVI, como estiveram na Holanda, Espanha, França e Inglaterra do século XVII em diante.
No Brasil - não mais se discute -, a literatura de cordel nos chegou através dos colonizadores lusos, em "folhas soltas" ou mesmo em manuscritos. Só muito mais tarde, com o aparecimento das pequenas tipografias - fins do século passado -, a literatura de cordel surgiu e se fixou no Nordeste como uma das peculiaridades da cultura regional.
História do Cordel do Nordeste - Embora o tema (nomes e datas fundamentais em torno dos poetas populares do Nordeste) já tenha sido rasteado por numerosos autores, vamos resumir o que Átila de Almeida condensou, a propósito, em recente ensaio intitulado "Réquiem para a Literatura Popular em Verso, Também dita de Cordel", in "Correio das Artes" João Pessoa, 01.08.1982.
1830 é considerado historicamente, o ponto de partida da poesia popular nordestina. Em torno dessa data nasceram Uglino de Sabugi - o primeiro cantador que se conhece - e seu irmão Nicandro, ambos filhos de Agostinho Nunes da Costa, o pai da poesia popular.
Nascidos na Serra do Teixeira (PB), entre 1840 e 1850, foram seus contemporâneos os poetas Germano da Lagoa, Romano de Mãe D´Água e Silvino Piruá. E já contemporâneo destes, Manoel Caetano e Manoel Cabeleira. São os mais antigos cantadores conhecidos, todos chegando à década que se iniciou em 1890.
A década que começou em 1860 viu nascer grandes nomes, como João Benedito, José Duda e Leandro Gomes de Barros. Mais adiante, na década de 1880, nasceram Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Ataíde, Francisco das Chagas Batista e Antônio Batista Guedes.
Depois dessa época até 1920 - afirma o escritor paraibano -, "a poesia escrita e oral se tornaram coqueluche e os poetas se multiplicam como moscas, principalmente nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará". Só nesse período foram registrados 2.500 poetas populares!
O movimento editorial do cordel, como se sabe, inicia-se com Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista e Piaruá. Embora acredite-se que Leandro e Pirauá começaram a publicar folhetos antes de 1900, não existem provas materiais desse fato. Em 1902, Chagas Batista publicou um folheto, em Campina Grande, que existe ainda hoje na Casa "Rui Barbosa", no Rio de Janeiro. Há um outro de Leandro, publicado no Recife, em 1904.
A partir dessas datas, Leandro e Pirauá dominam o mercado de folhetos de cordel. Depois de 1910, surgem outros nomes de autores de folhetos, como Antônio da Cruz, Joaquim Sem Fim, Cordeiro Manso, Manuel Vieira do Paraíso, Antônio Guedes, Joaquim Silveira, João Melchíades, João Martins de Athayde. Na década de 20, emerge outra leva de poetas de bancada, como Romano Elias da Paz, José Camelo de Melo Rezende, Manoel Tomás de Assis, José Adão Filho, Lindolfo Mesquita, Moisés Matias de Moura, Arinos de Belém, Antônio Apolinário de Souza e Laurindo Gomes Maciel.
Nas alturas de 1945, Átila de Almeida vislumbra o que chama de "germe destruidor no comércio de folhetos". Uma fase de decadência em conseqüência de novos fatos determinantes das transformações sociais, como o rádio, o cinema, a aceleração do processo de industrialização do País, a construção de Brasília, a facilidade de novos meios de transporte, estimulando as migrações internas no Brasil. Esses fatores alteram a mentalidade do homem rural nordestino, o grande consumidor da poesia popular escrita oral, ou cordel.


O Que É?
Num ciclo de estudos sobre literatura de cordel, realizado em 1976, em Fortaleza, sob o patrocínio da Universidade Federal do Ceará, indagaram ao prof. Raymond Cantel, da Sorbonne, grande estudioso do assunto, qual seria a definição mais compacta que se poderia dar do cordel. Seria apenas - perguntamos - poesia narrativa, impressa? Imediatamente, ele complementou: Popular.
Então, aqui está a mais reduzida, a mais simples definição sobre cordel: Poesia narrativa, popular, impressa. Todo o acervo da literatura de cordel - cerca de quatorze mil folhetos publicados, para Átila de Almeida, embora outros estudiosos ampliem esse número - não tem sido outra coisa sequer isto: poesia narrativa, popular impressa.
De maneira que, qualquer outra manifestação semelhante ao cordel, cujo conteúdo divirja deste trinômio, deve ser apreciada com reserva. Não é poesia de cordel autêntica.
Só existe uma maneira de identificar o cordel legítimo: é através da analise da ideologia que ele reflete. O poeta popular nordestino é conservador, por excelência. Há que examinar detidamente cada conteúdo dos folhetos, através da linguagem e das idéias que ali transparecem com espontaneidade.
Em geral, o poeta popular nordestino é católico ortodoxo. É amigo do vigário, defendendo-o em todo o sentido. Por sua vez, os padres prestigiam a tarefa dos poetas populares, quando não a exploram. O poeta popular é sempre a favor do governo. Há mesmo um célebre ditado que diz: "Contra o governo, rio cheio e pomba dura, etc..." Como igualmente o poeta popular repudia ou ironiza as inovações da tecnologia moderna. O que não quer dizer que não haja exceções, um bom exemplo é o nosso conhecido conterrâneo, Patativa do Assaré.


A Estrutura da Literatura de Cordel
Do ponto de vista formal, a literatura de cordel se apresenta predominantemente, em estrofes de seis versos ou linhas, sextilhas, a forma clássica. Em menos número, encontramos estrofes de sete sílabas e em décimas. Raramente, surgem folhetos em quadras, que era a forma clássica dos primeiros cantadores de viola, já hoje substituída pelas sextilhas, quando não por uma variedade de formas antigas e modernas
Saliente-se que os folhetos de temas tradicionais e os de época ou "acontecidos" obedecem àqueles tipos de estrofes (sextilhas, setilhas e décimas). Todavia, no que se refere aos folhetos de pelejas ou desafios, a forma é também bastante variada, apresentando-se em mourões, galopes à beira-mar, gemedeiras, etc.
Alguns poetas, como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde e outros, eram mais cuidadosos em relação à métrica e rimo dos seus versos. Outros mais modernos, relaxam um tanto seus versos, aparecendo muito "pé-quebrado". O bom poeta de cordel já tem o ritmo do verso no ouvido, a música, que flui naturalmente, sem esforço. Outros, embora imaginosos, são duros de roer na sua métrica e rima. É que aos poetas populares, em geral, interessa-lhes mais o conteúdo do que a forma de expressão.


A Mulher e o Cangaço
Franka
Da história do cangaço
Muito tem pra se saber:
Enfeite e bala de aço,
Conhaque para beber.
A mulher participando,
Sugerindo nesse bando
Outro jeito de viver.
O Cangaço começou
Com o Mestre Cabeleira.
Foi dele que iniciou
Toda aquela pasmaceira,
Pela fala de justiça
E também pela cobiça
Começou a bagaceira.
Violência era o lema
Sesse bando no sertão,
Porém, para este tema,
Houve uma amenização
Com força feminina
Ingressando. De menina,
Mudando essa visão.
As geras diminuira
E até vida poupada,
Devido ao que pedira,
Alguma foi escutada.
Maria Bonita, Dadá,
As duas a comandar
No sertão dessa cruzada
A mulher só ingressou
A partir de Lampião.
Muita coisa se mudou
Com a sua opinião
Pois Maria interferia
Da maneira que podia
Em cada situação
Maria, a mais bonita
Que uma bola prateada,
Usava batom e fita
E andava bem armada,
Se um carro dirigia,
A Ford toda rangia,
Em tudo foi ela ousada.
Dadá foi audaciosa,
Rimava na pontaria,
Era muito corajosa,
Na briga e na montaria.
Vou citar aqui Otília,
Com destaque para Sila
Que merece honraria.
No cangaço, a comida
Pelo cabra era feita,
A mulher era servida
Do que tinha a receita,
Mas, porém, a traição
A levava pra o facão,
Provocando a desfeita.
Baiano amava Lídia
Que amava Bem-te-vi,
No entanto, nesse dia,
Uma lei se fez agir:
Sua lei foi de pulada
Para ter honra levada,
Como chamam por aqui.
Eu falo da violência
Que vitima a mulher,
Que justiça silencia
E todos fazem o que quer:
Estupra, pisa e bate
E no meio do debate
Tudo fica como é.
O destino de Cristina
Foi morrer assassinada.
Diferente de Enedina
Que morreu duma rajada.
Da volante, ou traição,
Elas morriam no sertão.
Faca, pau, bala crivada.
Rosinha, Lili e Lídia,
Nesta "LEI" assassinaram
Cangica, Áurea, Maria,
Pela volante tombaram.
Muitos como Zabalê
E também como a Nenê
Da luta participaram.
Durvinha e Arvoredo,
Cangaceiros do sertão,
Figuras de um enredo
Com muita decapitação.
Esta é uma homenagem
Que trago nesta mensagem
No folheto a intensão.
Pela vida cangaceira
Ninguém faz a opção.
É pedaço de trincheira
Que padece o coração.
Nessa sina traiçoeira
Não se vê outra maneira,
É só guerra e confusão.
No resgate da memória
Tudo pode acontecer.
Aparece na história
A mulher para tecer
Outro lado da versão,
De Pereira a Lampião
Ela procurou vencer!


A Voz Que Canta o Sertão
Gerardo Carvalho
Por ter n'alma muita fé
Até hoje está de pé
Marcado bem nosso chão
Pra que todo mundo ouça
Que tem vida que tem força
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Poeta que sente a dor
Deste sertão sofredor
Nele vive em comunhão.
Pelos fracos pelo pobre
Canta seu canto nobre
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Traz nos rosto sofrimentos
Causados pelos tormentos
Vividos neste torrão.
Mas na alma está bem viva
A energia de Patativa
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Não só canta o seu protesto
Como faz seu manifesto
De uma pura compaixão.
Pois é passível às dores
Dos seus irmão sofredores
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Pelos cantos se o seu apregoa
O seu canto que repessoa
A mais pura inspiração
Que neste "pardal"se aviva
Um canto pra Patativa
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Com seu canto realista
Que nunca foi fatalista
Pois sabe bem a razão
Desta vida ter seus prantos
Que ás vezes abafa os cantos
DA VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Traz no peito a humildade
Na vida serenidade
Pra toda sua geração.
Eis a lição tão discreta
Do nosso grande poeta
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Com toda sua simpatia
Traz em cada poesia
Os traços de bom cristão.
Pois canta sua voz em Deus
Na vida dos irmãos seus
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Neste Nordeste sofrido
Donde se ouve o gemido
De um povo sem proteção
Ha uma ressonância viva
Do canto do Patativa
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO
No Brasil e no exterior
Tá espalhado o valor
Do poeta e sua canção.
Que desperta em todo mundo
Um sentimento profundo
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Lá no seu torrão natal
Não há outro canto igual
Que traga no seu refrão
A vida do campônes
Que não de ter vez
NA VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Cante lá que eu canto aqui
É a canção do Cariri
Que extrapola esta nação.
Canto que não tem fronteira
Ouve-se em terra estrangeira
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Canta a roça e a cidade
E toda a sociedade
que vive neste torrão:
É poesia social
De riqueza cultural
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Num tempo seco danado
morre planta, morre gado
Não nasce nada no chão
Há uma oração que socorre
No cano que nunca morre
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Quando no sertão querido
Tudo parece perdido
Ouvi-se a voz da canção
Que numa canção bem viva
Se junta com Patativa
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Traz no seu canto a alegria
De quem vive em harmonia
Com sua gente com seu chão
Onde sempre faz seu ninho
E nunca cantou sozinho
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Em cada verso traçado
Do seu poema rimado
Nos traz a grande lição:
Só mesmo a força do do amor
Move com tanto fervor
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Na sua Assaré querida
Tudo é sinal de vida
Exceto o cruel verão
Mas fica viva a esperança
No canto que nunca cansa
DA VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
A Deus se eleva um prece
Mais que isso se agradece
Por este Poeta irmão.
Que apesar dos desalentos
Multiplicou seus talentos
NA VOZ QUE CANTA O SERTÃO...
Da poesia popular
Por aqui neste lugar
Não há maior expressão.
Todo sertão reconhece
Seu povo jamais esquece
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO!
O seu jeito humilde e terno
Traz em si valor eterno
Que chamo de mansidão.
Leva a vida assim tranqüilo
Sem nunca perder o estilo
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Quando Patativa canta
Todo o sertão se levanta
Pois é grande a vibração
No peito daquela gente
Que escuta tudo o que sente
NA VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Com a mão encaliçada
De escrever com a enxada
O seu poema no chão
Aos oitenta e nove anos
Entre enganos, desenganos
É A VOZ QUE CANTA O SERTÃO
Canta um canto penitentev Pede ao Deus Onipotente
A mais pura compaixão
Deste povo nordestino
Para que mude o destino
DA VOZ QUE CANTA O SERTÂO...
Com sua vida discreta
Vai andando este poeta
Orgulho desta Nação!
E com o passar dos dias
Canta dores e alegrias
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
O seu cantar não tem hora
Por este Brasil e fora
Aspirando um mundo irmão.
E com vigor da garganta
Sempre atenta se levanta
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Por ser um "cabra da peste"
Sempre cantou o Nordeste
O seu querido torrão
E sua Assaré querida
Canta a morte, canta a vida
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Entre gostos e desgosto
É com o suor do rosto
Que sempre ganhou o pão
Pra sustentar a família
Que hoje canta a maravilha
COM A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Pelo poeta da terra
Nascido num pé de serra
Aos Céus nossa gratidão.
Deus conserve sempre viva
A canção de Patativa
A VOZ QUE CANTA O SERTÃO.
Estas são as homenagens
Aqui por estas paragens
Do fundo do coração
De um "pardal" da voz ativa
Para o ilustre PATATIVA
A VOZ QUE CANTA O SERTÂO



O Soldado Jogador
Leandro Gomes de Barros
Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bolso
O resultado da arte.
Os franceses nesse tempo
Tinham por obrigação
O militar ou civil
Seguir religião
O Papa deitava a lei
Botava em circulação.
Ricarte, soldado velho
Com trinta anos de tarimba
Aonde ele achava jogo
De lasquinê ou marimba
Dizia logo: - Eu vou ver
Água na minha cacimba!
Um dia faltou-lhe o soldo
Pôs-se Ricarte a pensar
Onde podia haver jogo
Que ele pudesse jogar
Era Domingo e a missa
Não havia de tardar.
Dinheiro não tinha um "xis"
A crédito ele nem falava,
Pois o soldado francês
Na taberna onde comprava
Só pegava no objeto
Porém depois que pagava.
Trocou entrada da missa
Veio o sargento chamá-lo
Ricarte ainda pediu
Para ele dispensá-lo
Porém o sargento disse:
- Sou obrigado a mandá-lo!
Ricarte foi para a missa
Com grande constrangimento,
Era obrigado a cumprir
A lei do seu regimento
Mas não podia afastar
O jogo do pensamento.
O soldado na igreja
Chegou, de ajoelhou
Trouxe no bolso da blusa
Um baralho ele tirou
E endireitando as cartas
Uma patota formou.
Não viu que tinha atrás dele
Um sargento ajoelhado
E ali observou
Tudo quanto foi passado
E disse: - Depois da missa
Você está preso, soldado!
Efetuando a prisão
E seguiu no mesmo instante
Foi com o soldado preso
A casa do comandante
Dizendo ter cometido
Um crime muito agravante
- Pronto, senhor comandante
Está aqui preso um soldado,
Que foi ao templo ouvir missa
Lá estava ajoelhado
Encarmassando um baralho
Que traz no bolso guardado
Perguntou-lhe o comandante:
- Quem deu-te esta criação?
Disse Ricarte: - Senhor,
Se ouvisse minha razão
Eu lhe dizia o motivo
Que existe pra esta ação.
- Que motivo tem você
Sabendo que é proibido
Ignora que o jogo
No exército é abolido?
Disse o soldado: - Meu jogo
Muda muito de sentido
- Muda de sentido, como?
Disse Ricarte: - Eu direi;
- Pois explique como é,
Porque eu o ouvirei,
Depois da explicação
O solto ou castigarei!
Disse o soldado: - Primeiro,
É preciso confessar
Que ganho 1 soldo mesquinho
E esse soldo não dar
Para eu comprar um livro
Para na missa rezar!
- Por isso compro um baralho
E rezo nele constante.
- Que reza num baralho?
Perguntou o comandante,
- Há tudo da escritura
Velha, nova, assim por diante...
Então disse o comandante:
- Você vem errado à mim.
Disse o soldado: - Eu explico,
Do princípio até o fim;
Como é essa oração?
Disse o soldado: - É assim:
- Por exemplo: a carta ás
Que tem um ponto somente,
Faz recordar que existe
Um só Deus Onipotente
Quando chamamos por Ele
O encontramos presente.
- Quando eu pego no dois
Ali premedito eu
Que em dua tábuas de pedra
O Criador escreveu
Quando em sarças ardentes
A Moisés apareceu.
- Quando eu pego no três
Me recordo a divinidade
Por exemplo: as três pessoas
Da Santíssima Trindade
Que nós todos conhecemos
O Espírito, o filho e o Padre
- Os 4 lembram-me as quatro
Marias de Nazaré
Que foram Maria Alfa
E Maria Salomé
Madalena e a Virgem Pura
Esposa de São José
- Os cinco me faz lembrar
Aquele dia de fel
As cinco chagas de Cristo
Feitas por mão tão cruel
Que matou crucificado
O filho de Deus de Israel.
- Quando eu pego em 6 de ouro
Faço premeditação
Seis dias o Senhor gastou
Na obra da Criação
Formou tudo quanto existe
Sem em nada por a mão.
- Os 7 lembram-me a hora
Negra, triste, amargura
Os sete passos de Cristo
Em sua paixão sagrada
Com sete espadas de dores
A Mãe de Deus foi cravada.
- Nos oito, vejo as pessoas
Que no Dilúvio escaparam
Noé, a mulher, três filhos
E três noras se salvaram
O resto as águas cobriram
Onde todos se afogaram.
- Quando eu pego nos nove
Vejo na imaginação
Os nove meses ditosos
Da divina encarnação
Que Jesus passou no ventre
Da Virgem da Conceição.
Quando eu pegou no rei
Me lembro do Rei da Glória
O ente mais poderoso
Que já vimos na história
Que não precisa soldado
Para alcançar a vitória.
Quando eu pego na sota
Me vem lembrança daquela
Que toda Jerusalém
Enriqueceu só com ela
Aquela que deu a luz
Ficando a mesma donzela.
Eis aí, meu comandante
As razões do seu soldado
Não posso comprar um livro
Meu soldado e´muito mirrado
Compro um baralho onde rezo
Porque só custa um cruzado.
Então disse o comandante:
- Em todas cartas falaste
Te esqueceste do Valente?
Foi porquê não te lembraste?
Não é também uma carta,
Porquê não apresentaste?
Disse o soldado: essa carta
É uma carta ruim,
Eu quando compro um baralho
Tiro ela e dou-lhe fim
Tem traços deste sargento
Que denunciou de mim.
Disse o comandantea ele:
Ricarte tu és passado
Teus vinte anos de praça
Foi tempo bem empregado,
Vou-te passar a sargento
E dou-te o soldo dobrado.

Autobiografia de Patativa do Assaré
Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher. Eu sou o segundo filho.
Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, freqüentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los. De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam.
Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim.
Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.
Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro "O matuto Cearense e o Caboclo do Pará", o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei.
De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram.
Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai.
Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.
Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d'olhos.
Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará. ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré


Patativa do Assaré
Talvez Patativa do Assaré não tenha tanto reconhecimento a nível nacional quanto mereça.
Vindo de um mundo diferente da maioria dos poetas brasileiros, Patativa do Assaré se destacou pelo fato de cantar em seus versos, assuntos como a dureza da vida no sertão, os políticos que só chegam nesses lugares quando precisam de votos, a morte causada pela pura falta de alimento ou de atendimento, em meio a tanta miséria, a diferença de vida entre a sua classe, pobre, e as outras. Mas, além disso Patativa também soube cantar as boas coisas de sua terra, as festinhas, os costumes, a natureza.
Uma coisa interessante do poeta é que, apesar de ser um homem de campo, nunca atribuiu seus problemas a um Deus injusto, como se a vida ruim dos lugares onde a seca atinge fosse uma punição divina: Está sempre claro quanto ao que diz respeito à culpa dos "homens da cidade".
Só teve quatro meses de estudo, mas isso só faz provar uma coisa: que apesar de tudo, o talento não se ganha na escola, e mesmo com uma vida tão difícil é possível se tornar um grande trovador e poeta de nossa cultura


O Poeta da Roça
Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.


O Que É Folclore?
De conservar o folclore
Todos têm obrigação,
Para que nunca descore
A popular tradição
Os homens de grande estudo
Como Mainá e Cascudo
Guardam sempre nos arquivos
Populares tradições,
Cantigas, superstições
E costumes primitivos.

Você, caboclo, que cresce,
Sem instrução nem saber,
Escuta, mas não conhece
Folclore o que quer dizer;
O folclore é um pilão,
É um bodoque, um pião,
Garanto que também é
Uma grosseira cangalha
Aparelhada de palha
De palmeira ou catolé.

Posso lhe afirmar também
Folclore é superstição
O medo que você tem
Do canto do corujão.

Folclore é aquele instrumento
Para o seu divertimento
Que chamamos birimbau,
E também a brincadeira
Ritmada e prazenteira
Chamada Maneiro-pau.

Folclore, meu camarada,
Ouvimos a toda hora,
É estória de alma penada
De lubisome e caipora.
Preste atenção e decore,
Pois, com certeza, folclore
Ainda posso dizer
Que é aquele búzio de osso
Que você põe no pescoço
Do filho pra não morrer.

É o aboio magoado
Do vaqueiro na amplidão,
É o festejo animado
Da debulha de feijão,
Carro de boi e gaiola
E desafio, à viola,
Do cantador popular.
E também a toadinha
Da Ciranda-cirandinha
Vamos todos cirandar.

Eu e você que vivemos
No nosso pobre sertão
Muitas coisas inda temos
Da popular tradição;
Além de outras, o girau
E a carrocinha de pau
Em vez de bonito carro.
Que prazer, satisfação,
A gente comer pirão
Mexido em prato de barro!

E agora, prezado irmão,
Estes versos lhe dedico,
Lhe dei alguma noção
Do nosso folclore rico.
Não posso continuar,
Pois nada pude estudar,
De dentro do tema saio.
O resto lhe dirá tudo
Romão Filgueira Sampaio,
Mainá e Câmara Cascudo.

Vaca Estrela e Boi Fubá
Seu dotô, me dê licença
Pra minha histora eu contá.
Se hoje eu tou na terra estranha
E é bem triste o meu pená,
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá.
Eu tinha cavalo bom,
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
Na portêra do currá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi fubá.

Eu sou fio do Nordeste,
Não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tanjeu de lá pra cá.
Lá eu tinha meu gadinho
Não é bom nem maginá,
Minha bela Vaca Estrela
E o meu lindo Boi Fubá,
Quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi fubá.

Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá;
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá,
O sertão esturricou,
Fez os açude secá,
Morreu minha Vaca Estrela,
Se acabou meu Boi Fubá,
Perdi tudp quanto tinha
Nunca mais pude aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi fubá.

E hoje, nas terras do Sú,
Longe do torrão natá,
Quando vejo em minha frente
Uma boiada passá,
As água corre dos óio,
Começo logo a chorá,
Me lembro da Vaca Estrela,
Me lembro do Boi Fubá;
Com sodade do Nordeste
Dá vontade de aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi fubá.


Carneiro Portela
O Ceará é um dos estados do Nordeste brasileiro que mais contribui para o enriquecimento da cultura popular, seja com o folclore, com a culinária, a poesia; enfim, com todas as suas formas de manifestação. Carneiro Portela é uma das peças-chave deste processo. Poeta, Radialista e Professor, tem sido o guardião da cultura popular nordestina, empenhado-se na sua divulgação. Poeta do Povo, sabe expressar como ninguém o sentimento de sua gente. Defensor de suas posições e crítico de algumas bandas que insistem em "chamar aquilo de forró...".


Manoel Camilo dos Santos
Manoel Camilo dos Santos nasceu em Guarabora, Paraíba, no dia 9 de junho de 1905. Foi cantador na década de 30. Tendo de cantar em 1940, dedicou-se a escrever e editar folhetos. Iniciou as atividades editoriais em sua cidade natal, indo continuá-las em Campina Grande, onde reside. A Folhateria Santos, por ele fundada, cede, anos depois, seu lugar a A "ESTRELA" DA POESIA, que ele mantém mais como um símbolo, sob cuja égide vem fazendo publicar os raros folhetos que ainda escreve.
Manoel é membro fundador da Academia Brasileira de Cordel, onde ocupa a cadeira nº 25, que tem como patrono Inácio Catingueira.


Severino Milanês
Severino Milanês da Silva nasceu em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Faleceu em seu estado natal, em 1956. Repentista e poeta de bancada, exerceu com aprumo sua atividade poética, tanto na cantoria quanto no folheto. De sua bibliografia constam vários títulos dos gêneros discussão e peleja. A considerar também a lista de romances de amor e histórias de princesas e príncipes encantados, é de se atribuir a MILANÊS predileção por esses dois temas.


Xilogravura
Aspecto de grande importância do Cordel é, sem dúvida, a xilogravura de suas capas. Sabe-se que o cordel antigo não trazia xilogravuras. Suas capas eram ilustradas apenas com vinhetas - pobres arabescos usados nas pequenas tipografias do interior nordestino. A partir da década de trinta, surgiram folhetos trazendo nas capas clichês de artistas de cinema, fotos de postais, retratos de Padre Cícero e Lampião. As xilogravuras ou "tacos", como ainda hoje preferem chamar os artistas populares, usando madeiras leves, como umburana, pinho, cedro, cajá. O gravador Dila foi o primeiro a usar matrizes de borracha vulcanizada, inaugurando assim a linogravura do cordel.
O que significam, em verdade, essas rudes criações dos artistas populares dentro do contexto mais amplo das artes plásticas brasileira?
Um dos mais ilustres críticos de arte do País, Antônio Banto, declarou-nos que as xilogravuras dos artistas do cordel constituem a maior contribuição que o Nordeste já ofereceu ao Brasil no campo das artes plásticas.
A xilogravura - arte de gravar em madeira - é de provável origem chinesa, sendo conhecida desde o século VI. No Ocidente, ela já se afirma durante a Idade Média, através das iluminuras e confecções de baralhos. Mas até ai, a xilogravura era apenas técnica de reprodução de cópias. Só mais tarde é que ela começa a ser valorizada como manifestação artística em si.
No século XVIII, chega à Europa nova concepção revolucionária da xilografia: as gravuras japonesas a cores. Processo que só se desenvolveu no Ocidente a partir do século XX. Hoje, já se usam até 92 cores e nuanças em uma só gravura.
No Brasil, a gravura erudita começa em 1912, com a exposição do artista alemão Lasar Sagall, em São Paulo. Posteriormente, outro artista importante desse gênero de arte foi Oswaldo Coledi, carioca, filho de suiços, professor da Escola de Belas Artes, que deixou discípulos distintos, como Lívio Abramo, Yolanda Mohaliy, Carlos Scliar, todos também xilógrafos reputados, ao lado de nomes mais modernos como Marcelo Grassmann, Fayga Ostrower, Maria Bonomi, Gilvan Samico e outros.
Samico interessou-se vivamente pelas xilogravuras dos artistas populares do Nordeste. Nelas, admirou a genuína expressão da criatividade do nosso artista primitivo: as soluções plásticas sintéticas, o traço forte, incisivo, a rude e bela expressividade dos desenhos, o mundo fantástico dos seres míticos e mágicos das concepções ingênuas. Ao lado de sua literatura, essas xilogravuras do cordel refletiam ideais, anseios e sonhos do homem nordestino.
Na atualidade vários são os xilógrafos de cordel que se destacam. O pesquisador Joseph M. Luyten, no ensaio "A Xilogravura Popular Brasileira e suas Evoluções", enumera os seguintes xilógrafos: Abraão Batista (Juazeiro); Ciro Fernandes (Rio de Janeiro); José Costa Leite (Condado); Marcelo Alves Soares (São Paulo); Minelvino Francisco Silva (Itabuna); Severino Gonçalves de Oliveira (Recife).
Há no País, em nossos dias, deusado interesse pelas obras dos nossos xilógrafos populares. Também nos EE.UU. e na Europa. Há uns 15 anos atrás, a Universidade Federal do Ceará promoveu exposição de xilogravuras de cordel em Paris, com grande sucesso. EM 1978, em São Paulo, na Bienal Latino-americana, o colecionador Luis Ernesto Kawall expôs e sendo a mostra premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
Na década de setenta, apareceram no Nordeste vários álbuns de xilogravuras de cordel. Destacamos os publicados pela Divisão de Cultura da Prefeitura da Cidade de Salvador, Bahia, intitulado "Xilogravura Popular - Cordel", reunidos xilos de Minelvino Francisco para folhetos de Rodolfo Coelho Cavalcante, com apresentação de Rosita Salgado; o da coleção Théo Brandão, "Xilogravuras Populares Alagoanas" (Alagoas, 1973), inserindo tacos de José Martins dos Santos, Manoel Apolinário, Antônio Almeida e Antônio Baixa-funda, com apresentações de Pierre Chalita e Théo Brandão; e "Transportes na Zona Canavieira", divulgando 21 xilogravuras de José Costa Leite (Instituto do Açucar e do Álcool, Serviço de Documentação, Recife, 1972), com apresentação de Mário Souto Maior.



O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO


NOME – O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
TEMA – Astúcia
AUTOR – Pedro Rouxinol
LOCAL – Sem indicação DATA – Sem indicação
NÚMERO DE ESTROFES – 119 de seis versos de sete sílabas (sextilhas)
REVISÃO- César Obeid
ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a x a
OBSERVAÇÃO – As letras repetidas indicam os versos que rimam entre si. Indicam–se com x os versos que não rimam com nenhum outro.
FINAL – Uma estrofe de sete versos (septilha ou obra de sete pés) de sete sílabas, onde aparece o nome do autor, mas não em acróstico. ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a b b a (rima chamada aberta, porque o 1º e o 3º versos não rimam com nenhum outro).

BIOGRAFIA DO AUTOR–PEDRO ROUXINOL
Nasceu em Itaporanga – PB e faleceu no Maranhão. Foi cantador e poeta popular, sendo a presente obra a única que consta
em sua bibliografia. (dados recolhidos no DICIONÁRIO BIO - BIBLIOGRÁFICO DE REPENTISTAS E POETAS DE BANCADA – ÁTILA, Augusto F. de Almeida, e ALVES SOBRINHO, José – Editora Universitária – João Pessoa – PB – 1978

O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO


NOME – O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
TEMA – Astúcia
AUTOR – Pedro Rouxinol
LOCAL – Sem indicação DATA – Sem indicação
NÚMERO DE ESTROFES – 119 de seis versos de sete sílabas (sextilhas)
REVISÃO- César Obeid
ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a x a
OBSERVAÇÃO – As letras repetidas indicam os versos que rimam entre si. Indicam–se com x os versos que não rimam com nenhum outro.
FINAL – Uma estrofe de sete versos (septilha ou obra de sete pés) de sete sílabas, onde aparece o nome do autor, mas não em acróstico. ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a b b a (rima chamada aberta, porque o 1º e o 3º versos não rimam com nenhum outro).

BIOGRAFIA DO AUTOR–PEDRO ROUXINOL
Nasceu em Itaporanga – PB e faleceu no Maranhão. Foi cantador e poeta popular, sendo a presente obra a única que consta
em sua bibliografia. (dados recolhidos no DICIONÁRIO BIO - BIBLIOGRÁFICO DE REPENTISTAS E POETAS DE BANCADA – ÁTILA, Augusto F. de Almeida, e ALVES SOBRINHO, José – Editora Universitária – João Pessoa – PB – 1978
Quanto é grande a Natureza
Deste mundo universal!
O bem, mistério sagrado,
Luz de todo pessoal –
O malefício, a navalha
Que corta o mundo em geral!


O mundo nos seus princípios,
Era todo diferente:
O povo capitalista,
Ou mesmo o povo indigente,
Eram luzes sem faróis,
Atacando a mesma gente.


As leis eram diferentes:
Nada de civilidade.
Nos impérios, só reinavam
Horror e barbaridade –
Eram coisas rigorosas
Contra toda a cristandade!


Dentro daqueles reinados
As ordens eram penosas:
Seus habitantes viviam
Nas sujeições horrorosas,
Nas liberdades sumíticas,
Nas quedas mais fragorosas!


Os reis baixavam decretos,
Com um dever iracundo;
Isso, por qualquer besteira,
Havia golpe profundo –
Morria, por morte bárbara,
Lancetado todo mundo!

Por isso, caros ouvintes,
Peço–vos toda a atenção,
Para escrever um drama,
Passado na tradição –
A proteção do Eterno,
Na mais penosa aflição.

Quem estuda sabe bem
Quem eram os homens de dantes,
Cheios de barbaridades,
Atoas, ignorantes,
Que praticavam horrores,
Tristonhos, repugnantes.

Se um rei daqueles dissesse
Que conquistava um país,
Jogava todo seu povo
Naquele horror infeliz,
Embora perdesse tudo,
Pra nunca mais ser feliz.


Quando um monarca daqueles
Sentia qualquer abalo,
Jurava tomar vingança,
Matando sábio e vassalo –
E se fosse um próprio filho,
Ele mandava matá-lo.

Porém, num certo país,
Habitava um rei bondoso,
Muito amigo da pobreza,
Justo, bom e caridoso –
Mas tinha uma horrível falta,
Que lhe fazia horroroso.

Ele era tão bom, que
Comia junto a pobreza,
Mostrando a todos que tinha
Amor e delicadeza –
Nem parecia ser dono
Daquela imensa grandeza!

E sempre, todos os dias,
Acostumava mandar
Pegar peixinhos pequenos
Nas águas claras do mar,
Para lhe dar mais sabor,
No momento do jantar.


Porém, prezados leitores,
A ordem aí era dura:
Quem cumprisse aquela ordem
Teria grande ventura,
Porém, se facilitasse,
Baixaria a sepultura.


Se a comida fosse peixe,
Tinha por obrigação
Comer a banda de cima,
Porém a de baixo não-
Ninguém revirava o peixe
Na hora da refeição.

Escreveu mesmo ao seu punho,
Botou num grande edital,
Na sala de refeição,
Sobre um quadro especial,
Dizendo: - Isso é decreto
Da Majestade Real!

O povo dos arrabaldes
Daquilo tudo sabia;
Quando ia na mesa dele,
Aquela ordem cumpria –
Comia o peixe por cima,
Mas em baixo não bulia.

Aquele povo da corte
Com ele se alimentava,
Porém lia os editais,
Na hora que se sentava –
Comia o peixe por cima,
Mas em baixo não tocava.

Para isso ele mandou
Preparar os editais –
Para que todos olhassem,
Com bases fundamentais,
Porque, faltando essa ordem,
O castigo era demais!

Por isso, quem se enganasse
Morria sem remissão:
Era logo condenado,
Se acabava sem perdão –
Passava três dias preso,
Morria sem salvação!

Porém, ao que fosse preso,
Ele dava liberdade
De lhe fazer três pedidos,
Se houvesse necessidade,
Que ele lhe atenderia
De muita boa vontade.

Ele só não atendia
Pedido pra não morrer –
Esse aí, por qualquer forma,
Não poderia atender! –
Porém, pedindo outras coisas,
Tudo podia obter.

Quem ler essa estória veja
Como é o seu preceito:
Nos três dias, três pedidos,
Cada um seria feito,
Porém, no fim de três dias,
Morria, não tinha jeito!

Já findara mais de um pobre,
Porque de nada sabia –
Às vezes, vinha de longe,
O povo nada dizia,
Ia pra mesa inocente,
Virava o peixe e morria!

E assim continuava
Esse modo desgraçado.
O leitor preste atenção
Pois isso foi no passado –
Que um rei, dizendo, fazia,
Nem que morresse estrepado!

Estamos vendo que o rei
Era muito espreitado.
Bem perto do país dele,
Havia um grande condado,
Onde residia um conde,
Seu amigo idolatrado.

No condado, tinha um velho,
Que ao conde acompanhava –
Era esse um velho pagem;
Quando o conde viajava,
Naquelas viagens todas,
A ele sempre levava.

O conde lhe disse um dia:
- Tu és meu vassalo amigo!
Vou fazer uma viagem,
Tu hás de ires comigo –
Na corte do rei Heitor,
Só irei junto contigo!

No outro dia, seguiu
O conde e o seu criado,
O conde sempre falando
Nas coisas de seu condado –
Mas não avisou ao velho,
Visto não ter se lembrado.

Na corte do grande rei,
Eles alegres chegaram.
Os dois monarcas, sorrindo,
Nessa hora se abraçaram;
Sobre os assuntos monárquicos,
Uma hora palestraram.

O conde disse, sorrindo,
Para o monarca Heitor:
- Esse velho é um criado,
Porém tem grande valor –
É um pagem, justamente,
Mas eu lhe devo favor!

Disse o rei: - Está muito bem!
Deve sempre venerá-lo –
Quem possui criado bom,
Com gosto deve adorá-lo!
Disse o conde: - Toda a vida
Soube zelar meu vassalo!

Ouviu-se um som de sineta,
Convidando pra o jantar.
Marchou logo todo povo,
Para se alimentar;
O conde foi com o velho,
Sem de nada se lembrar.

Já estavam todos na mesa,
Quando o conde se lembrou
Que o velho estava inocente
E ele não lhe avisou,
Nem podia avisar mais!
Tristemente, suspirou.

Saía tudo a favor,
Se o velho soubesse ler –
Mas o velho não sabia,
Nem ele pôde dizer.
Disse o conde: - Agora sim!
Meu criado irá morrer!

O conde ficou olhando,
Tristemente a complementar:
- Não posso dizer falando,
Muito menos acenar –
O jeito que tem agora
É o velho se acabar!

O pobre velho, com fome,
Com o peixe se entreteu –
O conde inda acenou,
E o velho não percebeu.
Findou a banda de cima,
Virou a outra e comeu.

O rei, vendo o que se deu,
Como uma fera olhou.
O velho nada sabia –
Dois peixes ainda virou!
Findando- se a janta, o rei
Por esta forma falou:

- Meu amigo e grande conde,
Não precisa te avisar –
Tu sabes que um decreto
Precisa se respeitar!
De acordo com a lei,
Teu pagem vai se acabar!

O amigo sabe bem
Que um decreto é sagrado:
Príncipe que não sustenta
Um dito no seu reinado,
Deve ser lançado fora
Antes de ser coroado!

Disse o conde: - Muito bem!
A lei, pra ser decretada,
Dentro de qualquer país,
Deve ser executada!
A morte ficou pra todos –
Isso não quer dizer nada!

O rei disse para o velho:
- Tu irás para prisão!
De me fazer três pedidos,
Darei toda a permissão –
Porém, no fim dos três dias,
Morrerás sem remissão.

Aviso- te que não faças
Pedido pra não morrer,
Porque, se assim me pedires,
Não poderei te atender –
Porém, pedindo outras coisas,
Tudo se pode fazer!

De momento, o pobre velho
Para a cadeia marchou.
O conde, muito sentido,
No mesmo dia voltou.
Chegando em casa da velha,
A dita história contou.

A velha disse, chorando:
- Valei-me, Maria Virgem!
Caiu sem fala no chão,
Porque deu – lhe uma vertigem.
Quando ela tornou, o conde
Lhe contou toda a origem.

- Que faço agora, senhor?
Devo também me findar?
Porém um filho lhe disse:
- Mamãe, não deves chorar!
Isso aí não vale nada –
Eu tenho um jeito pra dar!

- Meu filho, não tem mais jeito!
Já foi condenado à morte –
Não tem mais jeito que faça
Defendê-lo desse corte!
Disse o rapaz: - Não é nada –
Tudo depende da sorte!

- Meu filho, a pena de morte
Já fora lançada nele!
Disse o rapaz: - Hoje mesmo,
Irei conversar com ele –
Pedir ao rei pra soltá-lo
E prender- me em lugar dele!

A velha disse: - Meu filho,
Será isso grande horror:
Te acabar na mocidade,
No mais tremendo clamor!
Soltar um e morrer outro,
Se torna na mesma dor!

Disse o rapaz: - Minha mãe,
O homem morre na hora!
Do perigo mais horrendo,
Às vezes sai a melhora!
Meu pai deve levar fim
Na casinha da senhora!

Como filho, sou menino –
Ele é mais, como marido!
Outra mais, que já está velho,
Acabrunhado e abatido –
Deve morrer na sua casa,
Como Jesus for servido!


Tenho fé em Deus que o rei
Tudo comigo combina!
Estou pronto a receber
O golpe da guilhotina,
Mas não é como ele pensa –
É como Deus determina!

Adeus, mamãe, vou morrer –
Deus será meu protetor!
Tomou a bênção à mãe dele,
Essa ficou em horror.
Disse ele: - Não lamente –
Deus será a meu favor!

Às quatro do outro dia,
Chegou na grande cidade.
Pediu licença na corte,
Com justicialidade,
Que desejava falar
Com a alta majestade.

Levaram- no logo ao rei
Num majestoso salão.
Ele, chegando, curvou
O joelho no chão.
O rei perguntou a ele:
- Que deseja, cidadão?

Ele disse: - Senhor meu,
Sou uma folha que cai!
Venho fazer – lhe um pedido,
Que de meu coração sai:
Pra me botar na prisão
E libertar o meu pai!

Disse o rei: - Então, tu queres
Te acabar na mocidade?
Disse o rapaz: - Pra morrer,
Não há quem tenha vontade!
Eu quero somente ver
O meu pai com liberdade!

Disse o monarca: - Está bem,
O senhor vai à prisão!
De me fazer três pedidos,
Dou- lhe toda a permissão –
Porém, no fim de três dias,
Morrerá sem salvação!

Aviso logo, não faça
Pedidos pra não morrer,
Porque fazendo, é perdido,
Que eu não posso atender –
Porém, pedindo outras coisas,
Garanto tudo fazer!

Nessa hora, o pobre moço
Saiu dali escoltado.
Levado pra onde estava
O pobre velho encerrado,
Soltaram o velho, dizendo:
- Tu és bem aventurado!


Vai-te embora, que teu filho
Vem servir no teu lugar –
A forca está preparada,
Ele não pode escapar!
Vai rezar com tua esposa,
Pra teu filho se salvar!

O velho, banhado em lágrimas,
Pra sua casa marchou,
Viver junto a sua esposa.
O pobre filho ficou;
Às dez horas da manhã,
O carcereiro chegou.

Trouxe a comida, dizendo
Que o rapaz a recebesse –
Dizendo que o rei mandava
Que ele alegre comesse
E mandasse lhe fazer
O pedido que entendesse.

O rapaz disse: - Senhor,
Me considero perdido!
Não ´tou precisando nada,
De tudo estou bem servido –
De hoje a três dias eu morro,
Para que fazer pedido?

Disse o carcereiro: - Moço,
A lei já foi decretada:
Deve pedir qualquer coisa,
Lei para isso foi criada,
Mesmo embora que o senhor
Não precise mais de nada!

Disse o rapaz: - Sendo assim,
Diga pro rei muito amado
Dar mil contos a papai,
Pra viver mais descansado –
Lhe dê também de presente,
O prédio mais alinhado!

O carcereiro voltou,
Sentindo até palidez,
Dizendo: - Ele já está louco,
Ou sentindo embriagues!
O nosso rei soberano
Vai se morder desta vez!

O carcereiro, na corte,
Depressa deu o recado
Da casa e dos mil contos.
O rei ficou assombrado,
Dizendo: - Preso maldito!
Que pedido condenado!

Porém eu fui o culpado,
Porque lhe dei liberdade –
Mas tudo isso ele me paga,
Juro com toda a verdade,
Quando tirar- lhe a cabeça,
Na maior barbaridade!

Desse primeiro pedido,
O rei muito se sentiu.
Às dez horas da manhã,
O carcereiro partiu –
Agora vamos saber
Que foi que o rapaz pediu.

O carcereiro chegou
E disse para o rapaz:
- Moço, daqueles pedidos,
Por Jesus, não faça mais,
Porque o rei ficou irado –
Pior do que Ferrabrás!

Disse o rapaz: - Meu amigo,
Ele pode se danar!
Meu pai ontem estava pobre,
Hoje tem o que gastar!
Pedido eu não quero mais –
Deixe o rei desembestar!

Respondeu o carcereiro:
- Moço, cumpra seu dever!
Amanhã o senhor morre,
Não tem para onde correr,
Mas o segundo pedido
É obrigado a fazer!

Disse o rapaz: - Sendo assim,
Volte, vá dizer a ele
Que eu mando pedir,
Com toda a esperança nele,
Pra fazer o casamento
De mim com a filha dele!

O carcereiro gritou:
- Valei-me, Nossa Senhora!
Ô pedido condenado!
O que é que eu faço agora?
Se disser isso, é capaz
De morrer na mesma hora!

Amigo, por Jesus Cristo,
Não mande dizer assim!
Faça um pedido maneiro –
Deixe de ser tão ruim!
Se eu disser isso ao rei,
Ele manda dar-me fim!

- É pra dizer que eu mando,
Dê o caso no que der!
Outra, que eu não importo –
Pode morrer quem quiser!
Quero é que o mundo saiba
Que a princesa é minha mulher!

O carcereiro voltou,
Calado, triste e sisudo,
Puxando as barbas de raiva,
Fazendo mais de um estudo.
Chegou dizendo na corte:
- Agora, danou – se tudo!

Disse o rei: - Danou-se, como?
Diga isso, por favor!
- Oh, soberano, ele agora
Mandou pedir um horror –
Que queria se casar
Com a filha do senhor!

O rei, quando ouviu aquilo,
Como demente gritou:
- Morro e mato quem vier!
Ali, do trono saltou,
Danou a coroa no chão,
Que a poeira levantou!


Sacou de mão a espada,
Quis matar o carcereiro;
Virou o trono às avessas,
E saltou para o terreiro
E só não se suicidou
Por causa de um conselheiro!

O conselheiro lhe disse:
- Calma, demore de mão!
Imagine o que é um rei
De uma grande nação –
Precisa resignar-se
E ter mais educação!

Eu sou ministro da corte,
Na frente de tudo estou,
Não admito barulho!
Este conselho lhe dou:
Se não queria essa lei,
Pra que ela decretou?

Agora, não tem mais jeito!
Dê o caso no que der,
Sua filha, ainda hoje,
Se casa, porque Deus quer –
Daqui pra amanhã, fará
Tudo o que o rapaz quiser!

Disse o rei: - A minha ira
Será derramada nele!
Amanhã todos verão
A triste derrota dele!
Só imagino minha filha
Ser de um bandido daquele!

O conselheiro ministro,
Dentro do regulamento,
Mandou chamar o juiz.
De acordo com o mandamento,
Às quatro horas da tarde,
Deu – se logo o casamento.

O rei ficou como fera,
Tristonho, sangüinolento.
Recolheu – se, indignado,
Dentro de seu aposento,
Chorando como criança,
Pensando no casamento.

Falamos no carcereiro.
No outro dia, bem cedo,
Disse consigo: - É agora –
Vou pegar outro torpedo!
Vou lhe deixar a comida,
Porém morrendo de medo!

O carcereiro partiu.
Chegando lá, disse: - Moço,
A corte está se acabando,
No mais tremendo alvoroço!
Por sua causa, o monarca
Quase me arranca o pescoço!

Disse o rapaz: - Meus pedidos
Não quero que se proteste!
Pode morrer todo mundo,
Você também é uma peste –
Falando em gente da corte,
Não tem nenhum diabo que preste!

Diga que eu mando dizer:
Nada mais quero ganhar!
Meu pai está milionário,
Tem um prédio pra morar;
Ele é sogro e eu sou genro –
Pode o mundo se acabar!

Porém eu vou inteirar
Os três pedidos sagrados:
Diga que eu quero ver
Com os dois olhos furados
Quem o viu virar o peixe,
Diante dos magistrados!

Disse o carcereiro: - Moço,
Vai haver um grande engano!
É capaz de pegar fogo
Nas águas do oceano,
Porque quem viu esse caso
Foi o nosso soberano!

Disse o rapaz: - Eu não sei
Se foi o seu rei ou não!
Quero os dois olhos furados,
Diante da multidão,
Quem o viu virar o peixe,
Na hora da refeição!

O carcereiro voltou,
Tristemente imaginava.
Quando penetrou na corte,
O rei presente estava,
Com conselheiros e sábios –
Tudo ali lhe aconselhava.

O carcereiro lhe disse:
- Os planos foram baldados!
Ele disse que quer ver,
Com os dois olhos furados,
Quem o viu virar o peixe
Diante dos magistrados!

O rei foi assombrado,
Dizendo: - Grande desgraça!
Caipora do Satanás!
Não é coisa que se faça –
Eu devia, mesmo agora,
Transformar tudo em fumaça!

Os conselheiros falaram:
- Soberano, não se veixe -
O senhor é o culpado
E do outro não se queixe!
Disse o rei: - Quem foi que viu
O velho virando o peixe?

Disseram- lhe os conselheiros:
- Não venha mais com tolice!
O senhor está nos fazendo
Perguntas de meninice –
O velho virar o peixe,
De nós não teve quem visse!

- Quem foi de vocês que viu?
Me digam, por caridade!
Disse um conselheiro velho:
- Vossa Real Majestade,
Nessa virança de peixe,
Eu nem estava na cidade!

Um disse ali: - Eu não sei!
Disse outro: - Também não!
Disse o outro: - Eu não estava
Na hora da refeição!
Outro disse: - Eu estava aqui,
Mas nem entrei no salão!

Disse o rei: - Isso é o Cão!
Hora maldita e mesquinha!
Olhou para um lado e disse:
- Foi tu que vistes, rainha?
Disse ela: - Foi o Diabo –
Eu estava lá na cozinha!

- Chame as damas – pode ser
Que alguma tenha visto!
Disse uma dama: - Senhora
Dessa peixada eu desisto!
Nem eu nem as outras viram –
Juro até por Jesus Cristo!

O rei disse: - O carcereiro
É muito calmo e moderno –
Se ele viu, não faz negança,
Juro até por Deus Eterno!
Disse o carcereiro: - Vote!
Quem viu foi o Cão do Inferno!

Disse o rei: - O velho conde
Viu e não pode negar!
Vou mesmo mandar chamá – lo,
Para ele sustentar –
O velho criado dele
Não poderá protestar!

E mandou chamar o conde,
Nessa mesma ocasião.
O portador disse ao conde:
- Deus vos salve, cidadão!
O rei manda lhe chamar,
Com o maior precaução!

Disse o conde: - Quem foi lá?
Ele contou o preciso.
O conde disse: - Eu não quero
Que isso fique indeciso –
Pelo que ouço dizer,
O rei fica sem juízo!

Dizendo isso, partiu.
Quando na corte chegou,
O rei abraçou- lhe triste
E toda a história contou,
Dizendo: - Você é prova
De tudo o que se passou!

O conde disse: - Monarca,
Me preste bem atenção:
Eu não vi esse negócio,
Na hora da refeição –
O senhor pode ter visto,
Mas eu mesmo não vi não!

É por isso, meu bom rei,
Que, dentro do meu condado,
Não baixo um decreto desses,
Pra não ficar desfeiteado –
Como o senhor vai ficar,
Dentro do próprio reinado!

O senhor não acha um
Que possa isso provar –
Morrer de olhos furados,
Antes da hora chegar,
É melhor servir de besta,
Para o Diabo montar!

Disse um sábio: - Quem viu isso
Foi a Vossa Majestade!
Disse o rei: - Ave Maria!
É muito menos verdade!
Eu estava aqui, mas não vi –
Juro pela Divindade!

Disse o ministro da corte:
- Eu já estou bem informado
Que o genro do monarca
Não pode ser enforcado –
Pelo que ouço dizerem,
O peixe não foi virado!

O rei não viu, ninguém viu,
A conta já está somada –
Vamos soltar o rapaz,
Dar a questão acabada!
Disse o rei: - Pode soltá-lo –
Não estou ligando mais nada!

Sinto muito minha filha
Ser daquele vagabundo!
Hora negra, miserável!
Momento crítico, imundo!
Não baixarei mais decreto,
Enquanto o mundo for mundo!

Nessa hora, a princesinha
Marchava com seu cortejo,
Abraçar o seu esposo,
Embora contra o desejo.
O pai do rapaz, de alegre,
Deu dez dias de festejo!

O monarca, desgostoso,
Nessa hora adoeceu –
Não falou mais com ninguém,
Não comeu mais, nem bebeu.
O desgosto foi tão grande,
Que com dez dias morreu!

O rapaz, genro do rei,
Foi logo rei coroado.
Mandou enlutar o reino,
Provando ser educado;
Mandou que todos tivessem
Recordação do passado.

Cobriu-se de sentimento,
Segundo sua moral.
Tirou as cargas pesadas
De todo seu pessoal,
Para que fosse querido
Do povo todo em geral.

Tornou-se um justiceiro,
Pra toda sua nação;
Acabou a injustiça,
Firmou a religião;
Morreu de velho, deixando
Pra todos recordação.

Aqui, findou- a história
Dessa velha monarquia,
Dos tempos medievais –
Assim o livro anuncia.
Sou eu, Pedro Rouxinol,
Campeão do arrebol,
No verso e na poesia!




CONSTRUINDO E CONTANDO CORDEL

por César Obeid


SINOPSE

OBJETIVO



O universo que permeia a poesia popular é muito vasto e têm inúmeras possibilidades de aplicação, e as manifestações artísticas, sociais e culturais que queiram fazer mão do seu uso. O cordel e o repente, refletem a vida de um povo, do povo nordestino, do retirante, do migrante, do homem que vive ligado à terra, mesmo que, por força das conseqüências da vida, hoje vive afastado dela. Dentro desse contexto, o qual chamamos popular, o cordel e o repentismo de viola, um segmento do cordel, que é música improvisada, ficou e fica distante do meio, das formas de comunicação, das entidades, das escolas, e das artes, o que proponho nesse trabalho, é fazer o elo entre o popular e as formas de recriação para tal universo. É preciso saber o que é e como é feito o cordel e o repente, não só através da forma das estrofes e das rimas, e sim o seu contexto histórico, o porquê é tão importante e viva essa poesia oral entre o povo nordestino. Difícil achar um nordestino que nasceu no pé da serra que não saiba ao menos uma estrofe de uma história de cordel ou um ditado popular em versos. O que faço no meu trabalho e aqui apresento é mostrar essa cultura, sua importância histórico/cultural, Mostro que a poesia popular é viva, tenho um dos mais completos estudos do cordel e do repente feito na capital paulistana, inclusive acervo fotográfico e vídeo. Mostro e comprovo que o repentismo de viola sobrevive fortemente nas periferias das capitais. Onde existir nordestino, haverá uma dupla de cantadores de viola cantando para esse povo distante de sua terra. Rio, São Paulo e Brasília, foram as cidades que mais receberam migrantes nordestinos, que muito ajudaram a erguer essas cidades, a cantoria e o cordel, os acompanharam, esses artistas populares cantam, até hoje, para esse povo, sofrido e com muita saudade da velha terra onde nasceram e foram criado. Quero e é preciso codificar tudo isso, mostrar o valor dessa manifestação e principalmente, deixar para as futuras gerações a riqueza da nossa poesia popular, que aqui digo: POESIA ORAL, para ser dita, e que seja sempre BEM- DITA!

QUERO APRESENTAR ESTA FORMA DE NARRATIVA, PARA INICIAR O TREINO DA ESCRITA, LEITURA E ESCUTA EM VERSOS. NÃO É DIFÍCIL ESCREVER CORDEL. É SÓ TREINAR E QUERER!!


ESCREVENDO ESTROFES

Para começarmos a trabalhar com o cordel é interessante familiarizar-mos com a forma das estrofes.
São duas as mais utilizadas: sextilha e setilha,
A Sextilha tem seis versos
Vou mostrar sua construção
O segundo, o quarto e o sexto
Rimam em combinação
Os outros versos são livres
Mas não faltam emoção.

A setilha tem sete versos, no esquema (XAXABBA)

Consideramos:
X: versos livres
A e B: Rimam entre si.
E assim vão histórias e histórias, narrativas e narrativas dentro dessa estrura invariável!


RIMA


Consideramos as palavras que rimam entre si, as que têm o mesmo som na sua terminação:

Forte e sorte- rima em "orte"
Paixão e fogão- rima em "ão"
Amado e coitado- rima em "ado"

Estas são rimas perfeitas por terem, além do mesmo som, a mesma grafia.

Por exemplo: AMIGO (rima em "igo") e PARTIDO (rima em "ido") não rimam, pois o som de "igo" e "ido" é diferente!

A palavra "você" também rima com "fazer"?

- Se eu pronunciar "fazê", sim!
- Se eu disser "fazer", não!

Estas rimas são as chamadas imperfeitas, porém muito utilizadas no cordel, por poetas que desconhecem como se escreve as palavras. Fica ao critério do poeta assumir as rimas orais ou as corretas gramaticalmente.

Por exemplo, quais dessas duplas de palavras rimam ou não entre si?

prédio/ médico
astro/ pasto
César/cantar
mistério/desafio
clarão/claro
justiça/ notícia
céu/meu


Nenhuma dessas duplas de palavras rimam entre si!!!

TODA RIMA COMEÇA NA VOGAL DA SÍLABA TÔNICA DA PALAVRA E VAI ATÉ O FIM.

Por exemplo,
- Prédio- rima em "édio", que não tem o mesmo som de "édico", de médico
- "Astro" não tem o mesmo som de "asto"
- César, rima em "ésar" não rima com cantar, terminação em "ar"

Muitas pessoas confundem a rima com o som que forma com o radical da palavra. Por exemplo; "Palmeira" com "Palco". Não! lembrem-se, a rima começa na vogal da sílaba tônica até o fim da palavra.

MÉTRICA


Quanto ao número de sílabas, o mais utilizado é sete. Vejamos
os versos:

"Jõao/ Ba/tis/ta/ res/pon/deu"
e
"Res/pon/deu/ Jo/ão/ Ba/tis/ta"

No primeiro verso, a palavra "João" tem uma sílaba poética e no segundo verso, é um dissílabo. Isso é feito para dar a medida exata entre melodia e texto.


SE UTILIZARMOS UMA MELODIA DE SETE SÍLABAS, O TEXTO NATURALMENTE AS TERÁ.

Toda estrofe de cordel tem uma música, algum tipo de melodia. A partir daí podemos brincar....
- Experimente incluir numa sextilha a melodia da música

"A barata diz que tem
sete saias de filó
é mentira da barata
Ela tem é uma só
Ha! Ha! Ha! Ho! Ho! Ho!
Ela tem é uma só..."

Funciona, não!

Também podemos usar a melodia "Teresinha de Jesus", nas estrofes do cordel, mas segue uma observação.

- A melodia da música "Teresinha de Jesus" foi feita para quatro versos. E, se cantarmos uma sextilha, com uma dessas melodias, sobrará dois versos. O que não chega a ser grande problema e sim pode ficar muito engraçado tentar encaixá-las.

Escrever literatura de cordel não é difícil, mas exige algum treino. O mais importante é saber "o quê" escrever. Talvez começar escrevendo a história em prosa fique mais fácil. Agora o fundamental é lembrar que cordel é literatura oral, para ser dita! Cantada ou falada.
A estrofe tem que ter fluência quando a pronunciamos!
A partir de repetidas vezes dizendo uma mesma estrofe, naturalmente nascerá uma melodia! Isso é importante! Essa melodia ajuda a fazermos a métrica certa!



DE QUADRAS PARA SEXTILHAS


Seguem quadras de Fernando Pessoa, retiradas da obra "Quadras ao gosto popular". Então proponho um simples exercício, fazer dessas quadras, sextilhas. Assim.

Exemplo 1:


"Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi"
(então eu completo):
Com certeza pra te amar
É que eu mesmo nasci


Exemplo 2:
(posso também iniciar com meus dois versos)


Minha amada lhe pergunto
Porque estou na agonia
"Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria
Dize: Devo esperar mais
Ou não vens porque é dia"


Agora, você:


"Duas horas te esperei
Mais duas te esperaria
Se gostas de mim não sei
Algum dia há de ser dia"


"Compreender um ao outro
É um jogo complicado
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado"


"Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Para a boca se esquivar
A idéia talvez foi louca
O mal foi não aceitar"


"No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar"


"Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta
Se é mentira, escreve leve
Se é verdade, acaba a tinta"


TRANSFORMANDO NARRATIVAS EM PROSA PARA OS VERSOS DO CORDEL


Vamos pegar uma pequena fábula de Esopo,(extraída do livro FÁBULAS. L&M Pocket, 1997)

A Serpente, a Doninha e os Ratos

Uma serpente e uma doninha tinham ido brigar numa casa. Ao ver isso, os ratos, que normalmente eram a presa de uma ou de outra, saíram para estirar as pernas. Mas, quando viram os ratos, uma e outra pararam a briga e os atacaram.
Sejamos discretos enquanto os grandes se batem, senão os golpes sobram para nós.


A primeira coisa é fazer é saber que Donhinha é um pequeno mamífero. Depois vamos separar, a fábula, por ações.

- Briga da serpente e da doninha
- Ratos estiram as pernas
- Ataque aos ratos

TEMOS TRÊS AÇÕES, EXPRESSAS EM TRÊS VERBOS.

É interessante iniciar uma narrativa de cordel com uma apresentação dos personagens ou da situação.

SEMPRE TENHO QUE SABER COMO TERMINA A ESTROFE!

A última palavra do título é "ratos". Não terei dificuldade em achar rimas em "atos"

Caro leitor, eu lhe digo
Explicando todos fatos
Uma fábula bem antiga
Que é contada em três atos
É a história da Serpente,
Da Doninha e dos ratos.

A minha segunda estrofe conta minha primeira ação: "BRIGA" da serpente e a doninha. Tenho rimas fáceis tanto em "iga" em "ente" ou em "inha".
Escolhi terminar esta estrofe com: "briga".

A serpente é um bicho forte
Da doninha é inimiga
Resolveram, numa casa
Acabar com uma intriga
Fizeram luta sangrenta
Nunca vi terrível briga.

Minha estrofe seguinte, conta a segunda ação: "ESTIRAR". referindo-se aos ratos, inimigos da doninha e da serpente. Termino a estrofe em "sonhar" como referência a estirar as pernas, relaxar e dormir.

Os ratos que são suas presas
Lá puderam relaxar
Pois seus grandes inimigos
Começaram a brigar
Com as pernas relaxadas
Começaram a sonhar.

Minha outra estrofe conta a ação: "ATACAR". Porém, não vou terminar em "ar" novamente. Escolho a palavra "devorados".

Os bichos ao verem isso
Se tornaram amigados
A briga foi interrompida
Em gestos abrutalhados
Em apenas três segundos
Os ratos são devorados.


Na última estrofe conto a "moral da história" -
Sejamos discretos enquanto os grandes se batem, senão os golpes sobram para nós.
Resolvo terminar em "nós"

Esta história conta aquilo
Que contavam os avós
Em briga de "gente grande"
É melhor ser bem veloz
E sair dali correndo
Senão sobra para nós.
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O próximo passo seria contar esta história repetidas vezes, pronunciá-la em voz alta, encontrando entonações e intenções que deixem os versos mais naturais possíveis. O cordel tem que ser arte viva, presente.
Não é meu objetivo fazer um manual de construção de cordel, e sim orientar o iniciante, a um caminho, um pouca mais curto, para chegar a um bom resultado final.
É importante o autor de cordel saber que cada estrofe tem que ter total aproveitamento, nada pode sobrar ou faltar. É como se ele contasse essa história, e ao fim de cada estrofe, os ouvintes reagissem, ou chorando, ou emocionando-se ou rindo. As rimas e a métrica não podem ser empecilhos para o cordel, pelo contrário, têm que fazer parte de um conjunto para termos a unidade e a presença da oralidade.


Se você ainda tem dúvida, mande-me um e-mail que respondo para esclarecê-la!
Teste radical

Numa rua da cidade, tem um pequeno grupo esperando para um teste de esqueite (skat). Um assistente de diretor ajeita a câmera.
Chega o diretor, que é um colecionador de carros, antigos. Estaciona o carro. Um fusquinha rosa, que brilha de tão novo. Sai do carro; Aperta um botão, os vidro fecha, ele pega uma flanela. Limpa toda poeirinha do carro e vai todo sorridente ao encontro do grupo.

Diretor- Bom dia gente! (cheio de trejeito, desmunhecando)
Grupo - Bom dia.
Diretor - Bom, esse vai ser um teste rápido, vai ser tudo filmadinho né...as manobras de vocês...aquele que for escolhido nós vamos dá uma olhadinha no material, com carinho e agente entra em contato. Boa sorte pra todos ta queridos. Faz uma fila, da direita pra esquerda. Ok boys? good very good.
só vieram cinco ok? O primeiro faça sua apresentação amor.
O primeiro se posiciona.
Diretor - Go!!!!!!!!!!!!!!! good very good o segundo ok?
O segundo se prepara.
Diretor - go!!!!!!!!!!! ok mam beauty. Hoje acho que é o meu dia, eu quero que os outros três se apresentem ao mesmo tempo, quero ver como vai fica, ok boys?
Os outros três garotos se posiciona.
Diretor – Ok vamos lá meninos! Wow! beautiful beatiful beatiful boys good very good (todo saltitante e batendo palmas) pronto amores, num falei que ia ser rapidinho. Vocês foram todos umas gracinhas... (Toma um susto com outro candidato que vai chegando) Wow. That´s a rip off. ( Derrepente um negão, todo sujo, calça rasgada, tênis sujo e deteriorado e com um português impecável ).
Negão – Pô brô vai me desculpando ai sabe; sabe que é velho? É que hoje, o bicho pegou meu brodi. Eu fiquei amarrado numa parada. Aí tio! dexa eu expricar tudo mane. É que o bicho pegou na parada sabe?
Diretor – Não eu não sei mané
Negão – Pô brô! Me da essa óportu garanto que tu não vai se arrepender bicho, é só marcar um dez aí, é pá e bola valeu mermão?
Diretor – E o quer que pegou lá na comunidade? ( com sarcasmo).
Negão – Sabe que é cumpade! e que os alemão, os chimpas do omi, era macaco pá todo lado o bicho pegou, foi maor caôr. Quando uzome sobe, paga geral, só sobe o caverrão, só desce corpos dos irmão trabalhador. morou brô? O material lá, é profiça e o bisoro voa pra cima.
Então, num peida não velho, quebra essa.
Diretor - Ta bom...vai lá, eu quebro essa. tá pronto?
Negão – Já é...é nois maluco, sabia que tu não ia vacilar sangue bom. uh! Valeu.aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa (joga o esqueite no chão faz umas manobra radicais que todo mundo se levanta) e aí maluco mandei bem pá caraça
Diretor – todo mundo foi melhor que isso maluco ( com deboche) vou lhe dá mais uma chances ver se faz alguma coisa diferente dessa vez.
Negão – valeu profiça vou arrebentar a boca da parada dessa vez. (pega velocidade da um 360 da uma cambalhota pula numa grade de proteção faz umas manobras do cacete que a galera toda pula e vibra o diretor olha pro assistente de direção que também ta vibrando e ele se contem)
Diretor – Olha aqui rapaz se quer me impressionar precisa ser algo radical ou não participa da seleção sacou?
Negão – saquei brô mandou bem vou mandar algo radica dessa vez é nois (se afasta um pouco pega velocidade da um 360 cai em cima do alambrado sai deslizando da uma cambalhota caindo em cima do teto do fusca da mais três giros de 360 graus e sai pela frente do fusca ralando o fusca todo e faz uma reverência pra galera com um grito de guerra)
Diretor – (Em estado de choque olhando pro assistente) is not my car!?
Assistente – yes (comemorando gritando) wow! is your car.
(o diretor cai duro).
Entrando numa fria.



Manauense- Bom dia! Tudo bem? Eu gostaria de tira a barba. (Todo sorridente)
Paraense - Pois não...pode sentar aqui, na cadeira. ( põe espuma prepara a lamina e começa um dialogo com o cliente também sorridente) Vai ser só a barba?
Manauense - Como diz o ditado...barba, cabelo e bigode.
Paraense – Quer dizer...quer ficar novo de novo.
Manauense - (Com um largo sorriso) é meu irmão, só assim pra fica mais novo.
Paraense – Pode deixa...eu vou caprichar, você vai sair daqui outra pessoa.
Manauense – (largo sorriso) É mano, de vez enquanto tenho que agradar a patroa.
Paraense – (Fecha a cara e começa a indagar) o senhor é novo por aqui não...é?
Manauense – Sim, cheguei ontem.
Paraense – (Raspando o pescoço do manauense) veio a trabalho?
Manauense – não...tô tirando só uma onda; Vim passar uns dias de férias.
Paraense - Mas, me diga aí! O senhor é de onde? É paraense? Mais um paraense que volta pra curti a terrinha?
Manauense – Não eu sou de Manaus
Paraense – (Dá um tranco no pescoço do manauara) ah! Que dizer que o senhor é de Manaus? Eu jamais pensei que fosse receber um manauense aqui na minha barbearia.
Manauense – (Fica meio assustado com olhos arregalados) que bom. O senhor conhece Manaus?
Paraense – Sim. Nem me pergunte.
Manauense – Gostou de lá? ( Todo apreensivo)
Paraense – (Curto e grosso) não...não gostei não! O povinho nojento aquele.
(Esfregando a lamina na cara do Manauense) eles, falam muito mau do povo paraense.
Manauense – Eu sempre achei isso um absurdo. Nossa gente deveria ser mais unida. (com os olhos quase pulando fora fitado na lamina do barbeiro )
Paraense – (Temperou a garganta e com uma voz completamente anormal) quer dizer, que o senhor não chama o paraenses de ladrão não?
Manauense – Não...! Eu seria incapaz de fazer uma desfeita desta.
Paraense – Mas, o paraense lá em Manaus é conhecido como ladrão, viado, maconheiro, preguiçoso. Isso é inaceitável meu amigo. (acelera a lamina no pescoço)
Manauense – (quase se cagando de medo) mas perto de mim ninguém fala isso não! Se falar vai ouvir mano! Eu moro num bairro onde praticamente só tem eu de manauense o resto todo é do para.
Paraense – Como assim o resto? O que o senhor quer dizer com isso?
Manauense Quero dizer que, adoro os paraense. Se o senhor um dia voltar lá procure lá no meu bairro, alguém que respeita os paraense. Esse sou eu. Não tem um paraense, que não goste de mim; pro senhor ter uma idéia, a Fafa toda vez que vai a Manaus, ela vai direto na minha casa, comer um peixe assado. É uma coisa que eu faço questão de tratar bem; e os paraense
Paraense – Mas por quer?
Manauense – A minha avó era paraense, pense numa pessoa que eu devia muito respeito.
Paraense – (Enfiando a tesoura no nariz dele para aparar os cabelos) devia?
Manauense – É, ela já morreu, mas o respeito continua.
Paraense – (Limpando o rosto dele com uma toalha ) então o senhor conhece a Fafa? (Mudando de tom)
Manauense - Vixe. Mano nós somos unha e carne
Paraense – Vejo que o senhor, é diferente daquela gente. ( Vai pegar a loção pós-barba )
Manauense – (Quando ele se afasta ele se levanta rapidinho) não precisa...Eu tenho uma alergia danada. Só quero saber, quanto custou meu irmão?
Paraense – É dez real só
Manauense – ( Abre a carteira só tem nota de cinquenta) ta aqui ( tremendo todo)
Paraense – O senhor me espera só um pouquinho, que eu vou trocar o dinheiro
Manauense – vixe. Não...não, não precisa. O senhor achar que eu vou fazer questão por uma bobagem dessa? (Sai rapidinho)
Paraense – Taí! Eu que pensei que os manauense fosse tudo filho da puta. Nem tudo estar perdido, esse cara aí, é gente boa. Salvei meu dia.