O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
NOME – O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
TEMA – Astúcia
AUTOR – Pedro Rouxinol
LOCAL – Sem indicação DATA – Sem indicação
NÚMERO DE ESTROFES – 119 de seis versos de sete sílabas (sextilhas)
REVISÃO- César Obeid
ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a x a
OBSERVAÇÃO – As letras repetidas indicam os versos que rimam entre si. Indicam–se com x os versos que não rimam com nenhum outro.
FINAL – Uma estrofe de sete versos (septilha ou obra de sete pés) de sete sílabas, onde aparece o nome do autor, mas não em acróstico. ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a b b a (rima chamada aberta, porque o 1º e o 3º versos não rimam com nenhum outro).
BIOGRAFIA DO AUTOR–PEDRO ROUXINOL
Nasceu em Itaporanga – PB e faleceu no Maranhão. Foi cantador e poeta popular, sendo a presente obra a única que consta
em sua bibliografia. (dados recolhidos no DICIONÁRIO BIO - BIBLIOGRÁFICO DE REPENTISTAS E POETAS DE BANCADA – ÁTILA, Augusto F. de Almeida, e ALVES SOBRINHO, José – Editora Universitária – João Pessoa – PB – 1978
O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
NOME – O REI ORGULHOSO NA HORA DA REFEIÇÃO
TEMA – Astúcia
AUTOR – Pedro Rouxinol
LOCAL – Sem indicação DATA – Sem indicação
NÚMERO DE ESTROFES – 119 de seis versos de sete sílabas (sextilhas)
REVISÃO- César Obeid
ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a x a
OBSERVAÇÃO – As letras repetidas indicam os versos que rimam entre si. Indicam–se com x os versos que não rimam com nenhum outro.
FINAL – Uma estrofe de sete versos (septilha ou obra de sete pés) de sete sílabas, onde aparece o nome do autor, mas não em acróstico. ESQUEMA DAS RIMAS – x a x a b b a (rima chamada aberta, porque o 1º e o 3º versos não rimam com nenhum outro).
BIOGRAFIA DO AUTOR–PEDRO ROUXINOL
Nasceu em Itaporanga – PB e faleceu no Maranhão. Foi cantador e poeta popular, sendo a presente obra a única que consta
em sua bibliografia. (dados recolhidos no DICIONÁRIO BIO - BIBLIOGRÁFICO DE REPENTISTAS E POETAS DE BANCADA – ÁTILA, Augusto F. de Almeida, e ALVES SOBRINHO, José – Editora Universitária – João Pessoa – PB – 1978
Quanto é grande a Natureza
Deste mundo universal!
O bem, mistério sagrado,
Luz de todo pessoal –
O malefício, a navalha
Que corta o mundo em geral!
O mundo nos seus princípios,
Era todo diferente:
O povo capitalista,
Ou mesmo o povo indigente,
Eram luzes sem faróis,
Atacando a mesma gente.
As leis eram diferentes:
Nada de civilidade.
Nos impérios, só reinavam
Horror e barbaridade –
Eram coisas rigorosas
Contra toda a cristandade!
Dentro daqueles reinados
As ordens eram penosas:
Seus habitantes viviam
Nas sujeições horrorosas,
Nas liberdades sumíticas,
Nas quedas mais fragorosas!
Os reis baixavam decretos,
Com um dever iracundo;
Isso, por qualquer besteira,
Havia golpe profundo –
Morria, por morte bárbara,
Lancetado todo mundo!
Por isso, caros ouvintes,
Peço–vos toda a atenção,
Para escrever um drama,
Passado na tradição –
A proteção do Eterno,
Na mais penosa aflição.
Quem estuda sabe bem
Quem eram os homens de dantes,
Cheios de barbaridades,
Atoas, ignorantes,
Que praticavam horrores,
Tristonhos, repugnantes.
Se um rei daqueles dissesse
Que conquistava um país,
Jogava todo seu povo
Naquele horror infeliz,
Embora perdesse tudo,
Pra nunca mais ser feliz.
Quando um monarca daqueles
Sentia qualquer abalo,
Jurava tomar vingança,
Matando sábio e vassalo –
E se fosse um próprio filho,
Ele mandava matá-lo.
Porém, num certo país,
Habitava um rei bondoso,
Muito amigo da pobreza,
Justo, bom e caridoso –
Mas tinha uma horrível falta,
Que lhe fazia horroroso.
Ele era tão bom, que
Comia junto a pobreza,
Mostrando a todos que tinha
Amor e delicadeza –
Nem parecia ser dono
Daquela imensa grandeza!
E sempre, todos os dias,
Acostumava mandar
Pegar peixinhos pequenos
Nas águas claras do mar,
Para lhe dar mais sabor,
No momento do jantar.
Porém, prezados leitores,
A ordem aí era dura:
Quem cumprisse aquela ordem
Teria grande ventura,
Porém, se facilitasse,
Baixaria a sepultura.
Se a comida fosse peixe,
Tinha por obrigação
Comer a banda de cima,
Porém a de baixo não-
Ninguém revirava o peixe
Na hora da refeição.
Escreveu mesmo ao seu punho,
Botou num grande edital,
Na sala de refeição,
Sobre um quadro especial,
Dizendo: - Isso é decreto
Da Majestade Real!
O povo dos arrabaldes
Daquilo tudo sabia;
Quando ia na mesa dele,
Aquela ordem cumpria –
Comia o peixe por cima,
Mas em baixo não bulia.
Aquele povo da corte
Com ele se alimentava,
Porém lia os editais,
Na hora que se sentava –
Comia o peixe por cima,
Mas em baixo não tocava.
Para isso ele mandou
Preparar os editais –
Para que todos olhassem,
Com bases fundamentais,
Porque, faltando essa ordem,
O castigo era demais!
Por isso, quem se enganasse
Morria sem remissão:
Era logo condenado,
Se acabava sem perdão –
Passava três dias preso,
Morria sem salvação!
Porém, ao que fosse preso,
Ele dava liberdade
De lhe fazer três pedidos,
Se houvesse necessidade,
Que ele lhe atenderia
De muita boa vontade.
Ele só não atendia
Pedido pra não morrer –
Esse aí, por qualquer forma,
Não poderia atender! –
Porém, pedindo outras coisas,
Tudo podia obter.
Quem ler essa estória veja
Como é o seu preceito:
Nos três dias, três pedidos,
Cada um seria feito,
Porém, no fim de três dias,
Morria, não tinha jeito!
Já findara mais de um pobre,
Porque de nada sabia –
Às vezes, vinha de longe,
O povo nada dizia,
Ia pra mesa inocente,
Virava o peixe e morria!
E assim continuava
Esse modo desgraçado.
O leitor preste atenção
Pois isso foi no passado –
Que um rei, dizendo, fazia,
Nem que morresse estrepado!
Estamos vendo que o rei
Era muito espreitado.
Bem perto do país dele,
Havia um grande condado,
Onde residia um conde,
Seu amigo idolatrado.
No condado, tinha um velho,
Que ao conde acompanhava –
Era esse um velho pagem;
Quando o conde viajava,
Naquelas viagens todas,
A ele sempre levava.
O conde lhe disse um dia:
- Tu és meu vassalo amigo!
Vou fazer uma viagem,
Tu hás de ires comigo –
Na corte do rei Heitor,
Só irei junto contigo!
No outro dia, seguiu
O conde e o seu criado,
O conde sempre falando
Nas coisas de seu condado –
Mas não avisou ao velho,
Visto não ter se lembrado.
Na corte do grande rei,
Eles alegres chegaram.
Os dois monarcas, sorrindo,
Nessa hora se abraçaram;
Sobre os assuntos monárquicos,
Uma hora palestraram.
O conde disse, sorrindo,
Para o monarca Heitor:
- Esse velho é um criado,
Porém tem grande valor –
É um pagem, justamente,
Mas eu lhe devo favor!
Disse o rei: - Está muito bem!
Deve sempre venerá-lo –
Quem possui criado bom,
Com gosto deve adorá-lo!
Disse o conde: - Toda a vida
Soube zelar meu vassalo!
Ouviu-se um som de sineta,
Convidando pra o jantar.
Marchou logo todo povo,
Para se alimentar;
O conde foi com o velho,
Sem de nada se lembrar.
Já estavam todos na mesa,
Quando o conde se lembrou
Que o velho estava inocente
E ele não lhe avisou,
Nem podia avisar mais!
Tristemente, suspirou.
Saía tudo a favor,
Se o velho soubesse ler –
Mas o velho não sabia,
Nem ele pôde dizer.
Disse o conde: - Agora sim!
Meu criado irá morrer!
O conde ficou olhando,
Tristemente a complementar:
- Não posso dizer falando,
Muito menos acenar –
O jeito que tem agora
É o velho se acabar!
O pobre velho, com fome,
Com o peixe se entreteu –
O conde inda acenou,
E o velho não percebeu.
Findou a banda de cima,
Virou a outra e comeu.
O rei, vendo o que se deu,
Como uma fera olhou.
O velho nada sabia –
Dois peixes ainda virou!
Findando- se a janta, o rei
Por esta forma falou:
- Meu amigo e grande conde,
Não precisa te avisar –
Tu sabes que um decreto
Precisa se respeitar!
De acordo com a lei,
Teu pagem vai se acabar!
O amigo sabe bem
Que um decreto é sagrado:
Príncipe que não sustenta
Um dito no seu reinado,
Deve ser lançado fora
Antes de ser coroado!
Disse o conde: - Muito bem!
A lei, pra ser decretada,
Dentro de qualquer país,
Deve ser executada!
A morte ficou pra todos –
Isso não quer dizer nada!
O rei disse para o velho:
- Tu irás para prisão!
De me fazer três pedidos,
Darei toda a permissão –
Porém, no fim dos três dias,
Morrerás sem remissão.
Aviso- te que não faças
Pedido pra não morrer,
Porque, se assim me pedires,
Não poderei te atender –
Porém, pedindo outras coisas,
Tudo se pode fazer!
De momento, o pobre velho
Para a cadeia marchou.
O conde, muito sentido,
No mesmo dia voltou.
Chegando em casa da velha,
A dita história contou.
A velha disse, chorando:
- Valei-me, Maria Virgem!
Caiu sem fala no chão,
Porque deu – lhe uma vertigem.
Quando ela tornou, o conde
Lhe contou toda a origem.
- Que faço agora, senhor?
Devo também me findar?
Porém um filho lhe disse:
- Mamãe, não deves chorar!
Isso aí não vale nada –
Eu tenho um jeito pra dar!
- Meu filho, não tem mais jeito!
Já foi condenado à morte –
Não tem mais jeito que faça
Defendê-lo desse corte!
Disse o rapaz: - Não é nada –
Tudo depende da sorte!
- Meu filho, a pena de morte
Já fora lançada nele!
Disse o rapaz: - Hoje mesmo,
Irei conversar com ele –
Pedir ao rei pra soltá-lo
E prender- me em lugar dele!
A velha disse: - Meu filho,
Será isso grande horror:
Te acabar na mocidade,
No mais tremendo clamor!
Soltar um e morrer outro,
Se torna na mesma dor!
Disse o rapaz: - Minha mãe,
O homem morre na hora!
Do perigo mais horrendo,
Às vezes sai a melhora!
Meu pai deve levar fim
Na casinha da senhora!
Como filho, sou menino –
Ele é mais, como marido!
Outra mais, que já está velho,
Acabrunhado e abatido –
Deve morrer na sua casa,
Como Jesus for servido!
Tenho fé em Deus que o rei
Tudo comigo combina!
Estou pronto a receber
O golpe da guilhotina,
Mas não é como ele pensa –
É como Deus determina!
Adeus, mamãe, vou morrer –
Deus será meu protetor!
Tomou a bênção à mãe dele,
Essa ficou em horror.
Disse ele: - Não lamente –
Deus será a meu favor!
Às quatro do outro dia,
Chegou na grande cidade.
Pediu licença na corte,
Com justicialidade,
Que desejava falar
Com a alta majestade.
Levaram- no logo ao rei
Num majestoso salão.
Ele, chegando, curvou
O joelho no chão.
O rei perguntou a ele:
- Que deseja, cidadão?
Ele disse: - Senhor meu,
Sou uma folha que cai!
Venho fazer – lhe um pedido,
Que de meu coração sai:
Pra me botar na prisão
E libertar o meu pai!
Disse o rei: - Então, tu queres
Te acabar na mocidade?
Disse o rapaz: - Pra morrer,
Não há quem tenha vontade!
Eu quero somente ver
O meu pai com liberdade!
Disse o monarca: - Está bem,
O senhor vai à prisão!
De me fazer três pedidos,
Dou- lhe toda a permissão –
Porém, no fim de três dias,
Morrerá sem salvação!
Aviso logo, não faça
Pedidos pra não morrer,
Porque fazendo, é perdido,
Que eu não posso atender –
Porém, pedindo outras coisas,
Garanto tudo fazer!
Nessa hora, o pobre moço
Saiu dali escoltado.
Levado pra onde estava
O pobre velho encerrado,
Soltaram o velho, dizendo:
- Tu és bem aventurado!
Vai-te embora, que teu filho
Vem servir no teu lugar –
A forca está preparada,
Ele não pode escapar!
Vai rezar com tua esposa,
Pra teu filho se salvar!
O velho, banhado em lágrimas,
Pra sua casa marchou,
Viver junto a sua esposa.
O pobre filho ficou;
Às dez horas da manhã,
O carcereiro chegou.
Trouxe a comida, dizendo
Que o rapaz a recebesse –
Dizendo que o rei mandava
Que ele alegre comesse
E mandasse lhe fazer
O pedido que entendesse.
O rapaz disse: - Senhor,
Me considero perdido!
Não ´tou precisando nada,
De tudo estou bem servido –
De hoje a três dias eu morro,
Para que fazer pedido?
Disse o carcereiro: - Moço,
A lei já foi decretada:
Deve pedir qualquer coisa,
Lei para isso foi criada,
Mesmo embora que o senhor
Não precise mais de nada!
Disse o rapaz: - Sendo assim,
Diga pro rei muito amado
Dar mil contos a papai,
Pra viver mais descansado –
Lhe dê também de presente,
O prédio mais alinhado!
O carcereiro voltou,
Sentindo até palidez,
Dizendo: - Ele já está louco,
Ou sentindo embriagues!
O nosso rei soberano
Vai se morder desta vez!
O carcereiro, na corte,
Depressa deu o recado
Da casa e dos mil contos.
O rei ficou assombrado,
Dizendo: - Preso maldito!
Que pedido condenado!
Porém eu fui o culpado,
Porque lhe dei liberdade –
Mas tudo isso ele me paga,
Juro com toda a verdade,
Quando tirar- lhe a cabeça,
Na maior barbaridade!
Desse primeiro pedido,
O rei muito se sentiu.
Às dez horas da manhã,
O carcereiro partiu –
Agora vamos saber
Que foi que o rapaz pediu.
O carcereiro chegou
E disse para o rapaz:
- Moço, daqueles pedidos,
Por Jesus, não faça mais,
Porque o rei ficou irado –
Pior do que Ferrabrás!
Disse o rapaz: - Meu amigo,
Ele pode se danar!
Meu pai ontem estava pobre,
Hoje tem o que gastar!
Pedido eu não quero mais –
Deixe o rei desembestar!
Respondeu o carcereiro:
- Moço, cumpra seu dever!
Amanhã o senhor morre,
Não tem para onde correr,
Mas o segundo pedido
É obrigado a fazer!
Disse o rapaz: - Sendo assim,
Volte, vá dizer a ele
Que eu mando pedir,
Com toda a esperança nele,
Pra fazer o casamento
De mim com a filha dele!
O carcereiro gritou:
- Valei-me, Nossa Senhora!
Ô pedido condenado!
O que é que eu faço agora?
Se disser isso, é capaz
De morrer na mesma hora!
Amigo, por Jesus Cristo,
Não mande dizer assim!
Faça um pedido maneiro –
Deixe de ser tão ruim!
Se eu disser isso ao rei,
Ele manda dar-me fim!
- É pra dizer que eu mando,
Dê o caso no que der!
Outra, que eu não importo –
Pode morrer quem quiser!
Quero é que o mundo saiba
Que a princesa é minha mulher!
O carcereiro voltou,
Calado, triste e sisudo,
Puxando as barbas de raiva,
Fazendo mais de um estudo.
Chegou dizendo na corte:
- Agora, danou – se tudo!
Disse o rei: - Danou-se, como?
Diga isso, por favor!
- Oh, soberano, ele agora
Mandou pedir um horror –
Que queria se casar
Com a filha do senhor!
O rei, quando ouviu aquilo,
Como demente gritou:
- Morro e mato quem vier!
Ali, do trono saltou,
Danou a coroa no chão,
Que a poeira levantou!
Sacou de mão a espada,
Quis matar o carcereiro;
Virou o trono às avessas,
E saltou para o terreiro
E só não se suicidou
Por causa de um conselheiro!
O conselheiro lhe disse:
- Calma, demore de mão!
Imagine o que é um rei
De uma grande nação –
Precisa resignar-se
E ter mais educação!
Eu sou ministro da corte,
Na frente de tudo estou,
Não admito barulho!
Este conselho lhe dou:
Se não queria essa lei,
Pra que ela decretou?
Agora, não tem mais jeito!
Dê o caso no que der,
Sua filha, ainda hoje,
Se casa, porque Deus quer –
Daqui pra amanhã, fará
Tudo o que o rapaz quiser!
Disse o rei: - A minha ira
Será derramada nele!
Amanhã todos verão
A triste derrota dele!
Só imagino minha filha
Ser de um bandido daquele!
O conselheiro ministro,
Dentro do regulamento,
Mandou chamar o juiz.
De acordo com o mandamento,
Às quatro horas da tarde,
Deu – se logo o casamento.
O rei ficou como fera,
Tristonho, sangüinolento.
Recolheu – se, indignado,
Dentro de seu aposento,
Chorando como criança,
Pensando no casamento.
Falamos no carcereiro.
No outro dia, bem cedo,
Disse consigo: - É agora –
Vou pegar outro torpedo!
Vou lhe deixar a comida,
Porém morrendo de medo!
O carcereiro partiu.
Chegando lá, disse: - Moço,
A corte está se acabando,
No mais tremendo alvoroço!
Por sua causa, o monarca
Quase me arranca o pescoço!
Disse o rapaz: - Meus pedidos
Não quero que se proteste!
Pode morrer todo mundo,
Você também é uma peste –
Falando em gente da corte,
Não tem nenhum diabo que preste!
Diga que eu mando dizer:
Nada mais quero ganhar!
Meu pai está milionário,
Tem um prédio pra morar;
Ele é sogro e eu sou genro –
Pode o mundo se acabar!
Porém eu vou inteirar
Os três pedidos sagrados:
Diga que eu quero ver
Com os dois olhos furados
Quem o viu virar o peixe,
Diante dos magistrados!
Disse o carcereiro: - Moço,
Vai haver um grande engano!
É capaz de pegar fogo
Nas águas do oceano,
Porque quem viu esse caso
Foi o nosso soberano!
Disse o rapaz: - Eu não sei
Se foi o seu rei ou não!
Quero os dois olhos furados,
Diante da multidão,
Quem o viu virar o peixe,
Na hora da refeição!
O carcereiro voltou,
Tristemente imaginava.
Quando penetrou na corte,
O rei presente estava,
Com conselheiros e sábios –
Tudo ali lhe aconselhava.
O carcereiro lhe disse:
- Os planos foram baldados!
Ele disse que quer ver,
Com os dois olhos furados,
Quem o viu virar o peixe
Diante dos magistrados!
O rei foi assombrado,
Dizendo: - Grande desgraça!
Caipora do Satanás!
Não é coisa que se faça –
Eu devia, mesmo agora,
Transformar tudo em fumaça!
Os conselheiros falaram:
- Soberano, não se veixe -
O senhor é o culpado
E do outro não se queixe!
Disse o rei: - Quem foi que viu
O velho virando o peixe?
Disseram- lhe os conselheiros:
- Não venha mais com tolice!
O senhor está nos fazendo
Perguntas de meninice –
O velho virar o peixe,
De nós não teve quem visse!
- Quem foi de vocês que viu?
Me digam, por caridade!
Disse um conselheiro velho:
- Vossa Real Majestade,
Nessa virança de peixe,
Eu nem estava na cidade!
Um disse ali: - Eu não sei!
Disse outro: - Também não!
Disse o outro: - Eu não estava
Na hora da refeição!
Outro disse: - Eu estava aqui,
Mas nem entrei no salão!
Disse o rei: - Isso é o Cão!
Hora maldita e mesquinha!
Olhou para um lado e disse:
- Foi tu que vistes, rainha?
Disse ela: - Foi o Diabo –
Eu estava lá na cozinha!
- Chame as damas – pode ser
Que alguma tenha visto!
Disse uma dama: - Senhora
Dessa peixada eu desisto!
Nem eu nem as outras viram –
Juro até por Jesus Cristo!
O rei disse: - O carcereiro
É muito calmo e moderno –
Se ele viu, não faz negança,
Juro até por Deus Eterno!
Disse o carcereiro: - Vote!
Quem viu foi o Cão do Inferno!
Disse o rei: - O velho conde
Viu e não pode negar!
Vou mesmo mandar chamá – lo,
Para ele sustentar –
O velho criado dele
Não poderá protestar!
E mandou chamar o conde,
Nessa mesma ocasião.
O portador disse ao conde:
- Deus vos salve, cidadão!
O rei manda lhe chamar,
Com o maior precaução!
Disse o conde: - Quem foi lá?
Ele contou o preciso.
O conde disse: - Eu não quero
Que isso fique indeciso –
Pelo que ouço dizer,
O rei fica sem juízo!
Dizendo isso, partiu.
Quando na corte chegou,
O rei abraçou- lhe triste
E toda a história contou,
Dizendo: - Você é prova
De tudo o que se passou!
O conde disse: - Monarca,
Me preste bem atenção:
Eu não vi esse negócio,
Na hora da refeição –
O senhor pode ter visto,
Mas eu mesmo não vi não!
É por isso, meu bom rei,
Que, dentro do meu condado,
Não baixo um decreto desses,
Pra não ficar desfeiteado –
Como o senhor vai ficar,
Dentro do próprio reinado!
O senhor não acha um
Que possa isso provar –
Morrer de olhos furados,
Antes da hora chegar,
É melhor servir de besta,
Para o Diabo montar!
Disse um sábio: - Quem viu isso
Foi a Vossa Majestade!
Disse o rei: - Ave Maria!
É muito menos verdade!
Eu estava aqui, mas não vi –
Juro pela Divindade!
Disse o ministro da corte:
- Eu já estou bem informado
Que o genro do monarca
Não pode ser enforcado –
Pelo que ouço dizerem,
O peixe não foi virado!
O rei não viu, ninguém viu,
A conta já está somada –
Vamos soltar o rapaz,
Dar a questão acabada!
Disse o rei: - Pode soltá-lo –
Não estou ligando mais nada!
Sinto muito minha filha
Ser daquele vagabundo!
Hora negra, miserável!
Momento crítico, imundo!
Não baixarei mais decreto,
Enquanto o mundo for mundo!
Nessa hora, a princesinha
Marchava com seu cortejo,
Abraçar o seu esposo,
Embora contra o desejo.
O pai do rapaz, de alegre,
Deu dez dias de festejo!
O monarca, desgostoso,
Nessa hora adoeceu –
Não falou mais com ninguém,
Não comeu mais, nem bebeu.
O desgosto foi tão grande,
Que com dez dias morreu!
O rapaz, genro do rei,
Foi logo rei coroado.
Mandou enlutar o reino,
Provando ser educado;
Mandou que todos tivessem
Recordação do passado.
Cobriu-se de sentimento,
Segundo sua moral.
Tirou as cargas pesadas
De todo seu pessoal,
Para que fosse querido
Do povo todo em geral.
Tornou-se um justiceiro,
Pra toda sua nação;
Acabou a injustiça,
Firmou a religião;
Morreu de velho, deixando
Pra todos recordação.
Aqui, findou- a história
Dessa velha monarquia,
Dos tempos medievais –
Assim o livro anuncia.
Sou eu, Pedro Rouxinol,
Campeão do arrebol,
No verso e na poesia!
CONSTRUINDO E CONTANDO CORDEL
por César Obeid
SINOPSE
OBJETIVO
O universo que permeia a poesia popular é muito vasto e têm inúmeras possibilidades de aplicação, e as manifestações artísticas, sociais e culturais que queiram fazer mão do seu uso. O cordel e o repente, refletem a vida de um povo, do povo nordestino, do retirante, do migrante, do homem que vive ligado à terra, mesmo que, por força das conseqüências da vida, hoje vive afastado dela. Dentro desse contexto, o qual chamamos popular, o cordel e o repentismo de viola, um segmento do cordel, que é música improvisada, ficou e fica distante do meio, das formas de comunicação, das entidades, das escolas, e das artes, o que proponho nesse trabalho, é fazer o elo entre o popular e as formas de recriação para tal universo. É preciso saber o que é e como é feito o cordel e o repente, não só através da forma das estrofes e das rimas, e sim o seu contexto histórico, o porquê é tão importante e viva essa poesia oral entre o povo nordestino. Difícil achar um nordestino que nasceu no pé da serra que não saiba ao menos uma estrofe de uma história de cordel ou um ditado popular em versos. O que faço no meu trabalho e aqui apresento é mostrar essa cultura, sua importância histórico/cultural, Mostro que a poesia popular é viva, tenho um dos mais completos estudos do cordel e do repente feito na capital paulistana, inclusive acervo fotográfico e vídeo. Mostro e comprovo que o repentismo de viola sobrevive fortemente nas periferias das capitais. Onde existir nordestino, haverá uma dupla de cantadores de viola cantando para esse povo distante de sua terra. Rio, São Paulo e Brasília, foram as cidades que mais receberam migrantes nordestinos, que muito ajudaram a erguer essas cidades, a cantoria e o cordel, os acompanharam, esses artistas populares cantam, até hoje, para esse povo, sofrido e com muita saudade da velha terra onde nasceram e foram criado. Quero e é preciso codificar tudo isso, mostrar o valor dessa manifestação e principalmente, deixar para as futuras gerações a riqueza da nossa poesia popular, que aqui digo: POESIA ORAL, para ser dita, e que seja sempre BEM- DITA!
QUERO APRESENTAR ESTA FORMA DE NARRATIVA, PARA INICIAR O TREINO DA ESCRITA, LEITURA E ESCUTA EM VERSOS. NÃO É DIFÍCIL ESCREVER CORDEL. É SÓ TREINAR E QUERER!!
ESCREVENDO ESTROFES
Para começarmos a trabalhar com o cordel é interessante familiarizar-mos com a forma das estrofes.
São duas as mais utilizadas: sextilha e setilha,
A Sextilha tem seis versos
Vou mostrar sua construção
O segundo, o quarto e o sexto
Rimam em combinação
Os outros versos são livres
Mas não faltam emoção.
A setilha tem sete versos, no esquema (XAXABBA)
Consideramos:
X: versos livres
A e B: Rimam entre si.
E assim vão histórias e histórias, narrativas e narrativas dentro dessa estrura invariável!
RIMA
Consideramos as palavras que rimam entre si, as que têm o mesmo som na sua terminação:
Forte e sorte- rima em "orte"
Paixão e fogão- rima em "ão"
Amado e coitado- rima em "ado"
Estas são rimas perfeitas por terem, além do mesmo som, a mesma grafia.
Por exemplo: AMIGO (rima em "igo") e PARTIDO (rima em "ido") não rimam, pois o som de "igo" e "ido" é diferente!
A palavra "você" também rima com "fazer"?
- Se eu pronunciar "fazê", sim!
- Se eu disser "fazer", não!
Estas rimas são as chamadas imperfeitas, porém muito utilizadas no cordel, por poetas que desconhecem como se escreve as palavras. Fica ao critério do poeta assumir as rimas orais ou as corretas gramaticalmente.
Por exemplo, quais dessas duplas de palavras rimam ou não entre si?
prédio/ médico
astro/ pasto
César/cantar
mistério/desafio
clarão/claro
justiça/ notícia
céu/meu
Nenhuma dessas duplas de palavras rimam entre si!!!
TODA RIMA COMEÇA NA VOGAL DA SÍLABA TÔNICA DA PALAVRA E VAI ATÉ O FIM.
Por exemplo,
- Prédio- rima em "édio", que não tem o mesmo som de "édico", de médico
- "Astro" não tem o mesmo som de "asto"
- César, rima em "ésar" não rima com cantar, terminação em "ar"
Muitas pessoas confundem a rima com o som que forma com o radical da palavra. Por exemplo; "Palmeira" com "Palco". Não! lembrem-se, a rima começa na vogal da sílaba tônica até o fim da palavra.
MÉTRICA
Quanto ao número de sílabas, o mais utilizado é sete. Vejamos
os versos:
"Jõao/ Ba/tis/ta/ res/pon/deu"
e
"Res/pon/deu/ Jo/ão/ Ba/tis/ta"
No primeiro verso, a palavra "João" tem uma sílaba poética e no segundo verso, é um dissílabo. Isso é feito para dar a medida exata entre melodia e texto.
SE UTILIZARMOS UMA MELODIA DE SETE SÍLABAS, O TEXTO NATURALMENTE AS TERÁ.
Toda estrofe de cordel tem uma música, algum tipo de melodia. A partir daí podemos brincar....
- Experimente incluir numa sextilha a melodia da música
"A barata diz que tem
sete saias de filó
é mentira da barata
Ela tem é uma só
Ha! Ha! Ha! Ho! Ho! Ho!
Ela tem é uma só..."
Funciona, não!
Também podemos usar a melodia "Teresinha de Jesus", nas estrofes do cordel, mas segue uma observação.
- A melodia da música "Teresinha de Jesus" foi feita para quatro versos. E, se cantarmos uma sextilha, com uma dessas melodias, sobrará dois versos. O que não chega a ser grande problema e sim pode ficar muito engraçado tentar encaixá-las.
Escrever literatura de cordel não é difícil, mas exige algum treino. O mais importante é saber "o quê" escrever. Talvez começar escrevendo a história em prosa fique mais fácil. Agora o fundamental é lembrar que cordel é literatura oral, para ser dita! Cantada ou falada.
A estrofe tem que ter fluência quando a pronunciamos!
A partir de repetidas vezes dizendo uma mesma estrofe, naturalmente nascerá uma melodia! Isso é importante! Essa melodia ajuda a fazermos a métrica certa!
DE QUADRAS PARA SEXTILHAS
Seguem quadras de Fernando Pessoa, retiradas da obra "Quadras ao gosto popular". Então proponho um simples exercício, fazer dessas quadras, sextilhas. Assim.
Exemplo 1:
"Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi"
(então eu completo):
Com certeza pra te amar
É que eu mesmo nasci
Exemplo 2:
(posso também iniciar com meus dois versos)
Minha amada lhe pergunto
Porque estou na agonia
"Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria
Dize: Devo esperar mais
Ou não vens porque é dia"
Agora, você:
"Duas horas te esperei
Mais duas te esperaria
Se gostas de mim não sei
Algum dia há de ser dia"
"Compreender um ao outro
É um jogo complicado
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado"
"Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Para a boca se esquivar
A idéia talvez foi louca
O mal foi não aceitar"
"No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar"
"Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta
Se é mentira, escreve leve
Se é verdade, acaba a tinta"
TRANSFORMANDO NARRATIVAS EM PROSA PARA OS VERSOS DO CORDEL
Vamos pegar uma pequena fábula de Esopo,(extraída do livro FÁBULAS. L&M Pocket, 1997)
A Serpente, a Doninha e os Ratos
Uma serpente e uma doninha tinham ido brigar numa casa. Ao ver isso, os ratos, que normalmente eram a presa de uma ou de outra, saíram para estirar as pernas. Mas, quando viram os ratos, uma e outra pararam a briga e os atacaram.
Sejamos discretos enquanto os grandes se batem, senão os golpes sobram para nós.
A primeira coisa é fazer é saber que Donhinha é um pequeno mamífero. Depois vamos separar, a fábula, por ações.
- Briga da serpente e da doninha
- Ratos estiram as pernas
- Ataque aos ratos
TEMOS TRÊS AÇÕES, EXPRESSAS EM TRÊS VERBOS.
É interessante iniciar uma narrativa de cordel com uma apresentação dos personagens ou da situação.
SEMPRE TENHO QUE SABER COMO TERMINA A ESTROFE!
A última palavra do título é "ratos". Não terei dificuldade em achar rimas em "atos"
Caro leitor, eu lhe digo
Explicando todos fatos
Uma fábula bem antiga
Que é contada em três atos
É a história da Serpente,
Da Doninha e dos ratos.
A minha segunda estrofe conta minha primeira ação: "BRIGA" da serpente e a doninha. Tenho rimas fáceis tanto em "iga" em "ente" ou em "inha".
Escolhi terminar esta estrofe com: "briga".
A serpente é um bicho forte
Da doninha é inimiga
Resolveram, numa casa
Acabar com uma intriga
Fizeram luta sangrenta
Nunca vi terrível briga.
Minha estrofe seguinte, conta a segunda ação: "ESTIRAR". referindo-se aos ratos, inimigos da doninha e da serpente. Termino a estrofe em "sonhar" como referência a estirar as pernas, relaxar e dormir.
Os ratos que são suas presas
Lá puderam relaxar
Pois seus grandes inimigos
Começaram a brigar
Com as pernas relaxadas
Começaram a sonhar.
Minha outra estrofe conta a ação: "ATACAR". Porém, não vou terminar em "ar" novamente. Escolho a palavra "devorados".
Os bichos ao verem isso
Se tornaram amigados
A briga foi interrompida
Em gestos abrutalhados
Em apenas três segundos
Os ratos são devorados.
Na última estrofe conto a "moral da história" -
Sejamos discretos enquanto os grandes se batem, senão os golpes sobram para nós.
Resolvo terminar em "nós"
Esta história conta aquilo
Que contavam os avós
Em briga de "gente grande"
É melhor ser bem veloz
E sair dali correndo
Senão sobra para nós.
-------
O próximo passo seria contar esta história repetidas vezes, pronunciá-la em voz alta, encontrando entonações e intenções que deixem os versos mais naturais possíveis. O cordel tem que ser arte viva, presente.
Não é meu objetivo fazer um manual de construção de cordel, e sim orientar o iniciante, a um caminho, um pouca mais curto, para chegar a um bom resultado final.
É importante o autor de cordel saber que cada estrofe tem que ter total aproveitamento, nada pode sobrar ou faltar. É como se ele contasse essa história, e ao fim de cada estrofe, os ouvintes reagissem, ou chorando, ou emocionando-se ou rindo. As rimas e a métrica não podem ser empecilhos para o cordel, pelo contrário, têm que fazer parte de um conjunto para termos a unidade e a presença da oralidade.
Se você ainda tem dúvida, mande-me um e-mail que respondo para esclarecê-la!